O Estado de S. Paulo, n. 46633, 21/06/2021. Economia, p. B9

Precisamos de um ESG Brasileiro

Fernanda Camargo


O lugar em que você fica de pé depende de onde você está sentado, disse Rufus E. Miles Jr. (1910-96), que foi assessor de presidentes como Dwight Eisenhower, John Kennedy e Lyndon Johnson. De "memoráveis encontros com a realidade", criou a Lei de Miles. Ele codificou o que deveria ser intuitivo: vemos as coisas e fazemos julgamentos a partir do nosso ponto de vista.

Quando procuramos notícias e artigos sobre ESG (acrônimo ASG em português: Ambiental, Social e Governança), encontramos a frase: 'Nós precisamos reduzir as emissões de gases do efeito estufa, precisamos fazer uma transição energética, precisamos fazer uma revolução verde etc...' Quem somos "nós"?

Os riscos trazidos pelas mudanças climáticas são indiscutíveis, mas como isso afeta cada um de nós é totalmente diferente. Veja o caso do uso do cobalto para a produção de baterias recarregáveis – tão necessárias para a transição energética. As baterias estão em nossos celulares, carros, equipamentos eletrônicos e outros. Setenta por cento das reservas de cobalto do mundo estão no Congo.

O Congo não é um lugar muito amigável, dados os conflitos, a corrupção e o caos social. Nos últimos 15 anos, o trabalho infantil e escravo vem aumentando, assim como questões sanitárias e ambientais. Ainda assim, a Tesla, que usa 20 quilos de cobalto vindo do Congo por carro, é considerada sustentável por alguns investidores que olham apenas para o fato de que carros elétricos não consomem combustíveis fósseis.

Em nossa jornada, buscamos alocar com critérios ESG desde 2016. Sempre acreditamos que esse olhar nos tornaria mais humanos, mais conectados e com um senso maior de responsabilidade. No entanto, em nosso "encontro com a realidade", temos aprendido que as coisas não são tão simples assim. Há dificuldade para encontrar fundos e empresas que estejam usando critérios ESG de forma profunda, responsável e engajada. É natural que seja assim, o movimento ainda está na sua infância.

Ao entrarmos em discussões mais aprofundadas sobre o processo de transição em determinadas empresas, fomos aprendendo que o ESG criado sob as perspectivas de países desenvolvidos deveria sofrer alguns ajustes, principalmente no que tange à questão social, para ser aplicado ao Brasil e a outros países em desenvolvimento.

É fundamental entender a transição sistêmica do ponto de vista de eficiência e também do impacto real desse processo. No Brasil, a taxa de desemprego acaba de atingir 14,7% da população, 52 milhões estão na faixa de pobreza e 13 milhões na pobreza extrema, segundo dados do IBGE e FGV Social. A transição para uma economia de baixo carbono vai ter de acontecer. Mas quem deveria pagar pela transição?

Somos o país mais rico do mundo em biodiversidade. Precisamos atacar a questão climática, mas também buscar oportunidades que incluam o social. É possível preservar florestas e ao mesmo tempo ter crescimento econômico. Aumentar a produtividade na agricultura sem avançar mais sobre a floresta é um caminho, gerar riqueza através da biodiversidade é outro.

Precisamos aprender como monetizar este tesouro, preservando-o e gerando valor agregado para a sociedade.

É Sócia-Fundadora da Wright Capital e colunista do E-Investidor