O Estado de São Paulo, n. 46644, 02/07/2021. Metrópole p.A11

 

Amazônia registra junho com o maior número de focos de incêndio

 

Mariana Hallal

 

A Amazônia registrou 2.308 focos de incêndio em junho, maior número para o mês desde 2007. Os dados são do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), órgão ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia. Desde 2019, a gestão Jair Bolsonaro tem sido alvo de críticas no Brasil e no exterior, pelos recordes seguidos destruição. Para combater crimes ambientais, o governo tem apostado em operações militares, mas os registros de perda vegetal continuam altos.

A maior parte das queimadas (66,5%) foi em Mato Grosso, seguido por Pará (18,4%) e Rondônia (5,7%). As terras indígenas da região, que são áreas protegidas, tiveram 110 ocorrências de incêndio. Um terço desses focos foi no Parque do Xingu (MT). Entre as áreas de conservação federais, houve 30 focos. A região mais afetada foi a do Parque Nacional dos Campos Amazônicos (13). Houve 29 registros em unidades de conservação estaduais, principalmente na Área Ambiental da Chapada Maranhense (13).

Márcio Astrini, secretário executivo do Observatório do Clima, diz que a alta de incêndios está ligada, principalmente, a três fatores. O primeiro é o tempo seco que começa a predominar na região e dura até setembro. Há também troncos de árvores caídos no chão, como consequência do desmate, que servem de combustível para o fogo. O terceiro elemento é o próprio fogo, que não costuma surgir espontaneamente neste bioma. “Quem risca o fósforo está confortável porque está protegido pelo presidente. O governo Bolsonaro abriu mão de controlar as queimadas na Amazônia.”

Astrini critica o enfraquecimento institucional de órgãos ambientais, como Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), que ainda sofrem com déficit de servidores e de verba. “Ser fiscal do Ibama é profissão de risco. Corre o risco de ser intimidado no campo pelos criminosos ou de receber processo administrativo. Já o madeireiro ou grileiro ilegal está tranquilo porque não há ninguém fiscalizando”, diz.

Uma análise feita por pesquisadores do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) e do Woodwell Climate Research Center mostra que, somadas a mais uma seca intensificada pelo fenômeno La Niña, áreas desmatadas e ainda não queimadas podem aumentar a incidência de queimadas na Amazônia especialmente de julho a setembro deste ano. Divulgado na quarta-feira, o levantamento aponta que há quase 5 mil quilômetros quadrados de área nessas condições. “O pior ano é aquele em que se tem muito desmatamento e muita queimada para limpeza de área aberta. Ou um ano muito seco. Essa é a combinação para um barril de pólvora muito explosivo.

Aparentemente, é o que vai acontecer agora em 2021”, diz o pesquisador sênior do Ipam Paulo Moutinho. Ele explica que o cenário é crítico especialmente no sul do Amazonas.

 

GLO. Na terça-feira, Bolsonaro editou decreto que proíbe queimadas para práticas agropastoris em todo o País por 120 dias. No dia anterior, ele havia autorizado nova atuação de militares na Amazônia, com prazo até o fim de agosto. A medida, no modelo de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), vale para terras indígenas, unidades federais de conservação ambiental, em áreas de propriedade ou sob posse da União, e, se pedido pelos governadores, em outras áreas dos Estados de Amazonas, Mato Grosso, Pará e Rondônia. Especialistas fazem ressalvas sobre o uso das tropas na região, uma vez que elas não têm a mesma expertise que os agentes ambientais no combate a desmate e queimadas.

Ainda segundo especialistas, a crise hídrica que o País enfrenta – e ameaça um novo problema de abastecimento de energia – pode ter origem no alto índice de desmate da Amazônia. “Metade da chuva do Centro-Oeste, Sul e Sudeste é gerada pela transpiração da floresta. Quando há desmatamento e queimadas, os mecanismos de controle do clima no País são alterados”, explica Astrini.

 

Ação preventiva. Procurado, o Ministério da Defesa disse que as Forças Armadas vão realizar ações preventivas e repressivas contra delitos ambientais. A Operação Samaúma, com emprego de Marinha, Exército e Aeronáutica, teve início na segunda-feira. “As Forças Armadas atuarão de modo coordenado com o Conselho Nacional da Amazônia Legal (CNAL), buscando a articulação com os órgãos e entidades de proteção ambiental e os órgãos de segurança pública.”

A operação terá apoio do Grupo Integrado para a Proteção da Amazônia (Gipam), que conta com integrantes de Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade e Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, entre outros órgãos federais. “Este grupo, por meio de metodologia científica de sensoriamento remoto de satélites, radares e aerolevantamento, apoiará na seleção de áreas prioritárias para a atuação das Forças Armadas e demais órgãos envolvidos no combate ao desmatamento.”

O estudo do Ipam fez uma lista com os dez municípios na Amazônia com mais área desmatada e não queimada desde 2019. Entre eles, somente um, Lábrea (AM), também faz parte da lista de 26 municípios que inicialmente receberão as Forças Armadas. “É muito importante que os governantes dos Estados e o governo federal se atentem para esse mapeamento de onde estão as áreas críticas”, destaca Moutinho.