O Estado de S. Paulo, n. 46639, 27/06/2021. Política, p. A4

Bolsonaro cria “bondades" por base eleitoral de PMs

Vinícius Valfré
Felipe Frazão


À medida que vê sua base de apoio se estreitar, o presidente Jair Bolsonaro se volta a um segmento em que exerce forte influência para alavancar a campanha à reeleição em 2022. Nos últimos dias, ele intensificou a troca de afagos com as polícias militares, em um movimento que corrói a ascendência de governadores sobre as tropas e nutre planos de politizar as forças estaduais e de aumentar a presença delas no Congresso.

Isenção de IPI de automóveis, créditos imobiliários e promessa de uma nova lei orgânica da PM e da Polícia Civil para esvaziar o poder dos governadores sobre os contingentes. Bolsonaro busca por todas as frentes o apoio dos policiais militares. No último dia 9, fora da agenda, foi a um fórum em Goiânia com 44 entidades do setor que, entre outras atividades, treinava agentes para a missão eleitoral. Além de mais um mandato para o presidente, o grupo pretende dobrar os 34 policiais e bombeiros militares eleitos em 2018 para a Câmara, o Senado, as assembleias e os governos.

O sargento Leonel Lucas de Lima está à frente da entidade que promoveu o encontro. A Associação Nacional de Entidades Representativas de Policiais Militares e Bombeiros Militares do Brasil (ANERMB) é o principal núcleo da rede de policiais em volta de Bolsonaro identificada pela reportagem. Em três anos, a ANERMB ganhou 50 mil filiados e alcançou 200 mil inscritos. “Nós militares, com nossas famílias, demos 18 milhões de votos ao presidente. Deixamos claro que em cidades que ele nem sabe que existem teve votos por causa dos PMs”, frisou Lucas ao Estadão. “Está na hora de a gente ser reconhecido pelo que fez”.

A relação de interlocutores com o setor inclui o deputado Victor Hugo (PSL-GO), ex-líder do governo na Câmara. Já na lista de nomes da área que demonstraram apreço estão o comandante-geral da PM do Distrito Federal, coronel Márcio Vasconcelos, e o comandante da Academia da PMDF, coronel William de Araújo. Na formatura do curso de aperfeiçoamento de oficiais, no dia 2, Vasconcelos e Araújo encerraram seus discursos com o slogan eleitoral: “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”.

O Estadão também mapeou cargos no Planalto e no governo ocupados por militares estaduais. Sargento egresso do Bope do Rio, Max Guilherme é um assessor especial que goza da confiança do presidente e prepara candidatura à Câmara. Alvo da investigação sobre atos antidemocráticos, já usou as redes sociais para atacar o Supremo Tribunal Federal e parabenizar a polícia do Rio pelo massacre no Jacarezinho.

Bolsonaro espalhou policiais em áreas técnicas, núcleos que fomentam a narrativa ideológica nas redes e postos de interação com a CPI da Covid. A Fundação Nacional de Saúde foi entregue ao ex-comandante da PM de Minas Giovanne Gomes da Silva. À frente da Secretaria Nacional de Segurança Pública está o coronel da PM do DF Carlos Paim.

O Distrito Federal, governado pelo aliado Ibaneis Rocha (MDB), é um fornecedor de policiais à gestão Bolsonaro. A reportagem identificou 76 militares do DF cedidos a ministérios, ao Gabinete de Segurança Institucional e à Agência Brasileira de Inteligência (Abin) em 2020. Entre eles, o atual comandante da PMDF, coronel Vasconcelos. Outro nomeado é o chefe do Gabinete Adjunto de Informações do Gabinete Pessoal da Presidência, o major Carlos Henrique Oliveira. Coube a ele assinar e enviar à CPI da Covid o ofício em que o Planalto alegou não ter atas de reuniões das quais participou o deputado Osmar Terra (MDB-RS).

Benesses. Dois dias depois do evento em Goiânia, veio à tona o programa do governo para crédito imobiliário a policiais e bombeiros. Bolsonaro não será o primeiro a financiar casas para militares estaduais em ano pré-eleitoral. Em 1997, Fernando Henrique Cardoso firmou um convênio da Caixa que se limitou à construção de 10 mil moradias a policiais em São Paulo.

Neste mês, os bolsonaristas aprovaram em comissão da Câmara projeto que zera IPI de automóveis adquiridos por profissionais da segurança pública. Proposta em julho de 2020, a benesse não tem estimativas de impacto fiscal. Não é só. A base bolsonarista se prepara para votar até o fim do ano os projetos de lei orgânica da PM e da Polícia Civil. A primeira versão da proposta para a PM cria eleição interna, escolha por lista tríplice e mandato para o cargo de comandante-geral.

Para as associações, é pouco. Elas se manifestam ainda contra a reforma administrativa. A aparente contradição explicase em parte pelo pragmatismo. Estima-se que apenas 1/3 dos policiais sejam realmente ligados a organizações. Em paralelo, o presidente cacifa lideranças.

Pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) sobre publicações que policiais fazem na internet projetou que o alinhamento a discursos antidemocráticos e golpistas é demarcado em um batalhão de 120 mil homens. Entre PMs de baixa patente, 41% interagem com grupos bolsonaristas nas redes. Outro levantamento, do instituto de pesquisa Atlas, mostra que 21% dos policiais são favoráveis a uma ditadura militar.

Diretor-presidente do FBSP, Renato Sérgio de Lima avalia que o risco de ruptura democrática via PMs é real e as demais instituições não agem para contê-lo. “Há um risco que não é pequeno, não é imaginário. Está posto, mas também não é iminente. Há espaço para evitar. Bolsonaro faz o jogo dele e explora a omissão das instituições.”

As entidades representativas defendem a politização dos militares e o lançamento de candidaturas para defender bandeiras da categoria. Afirmam, porém, reprovar motins e greves. “A representatividade e a atuação do militar têm limites. Os que querem partir para esse lado sabem das consequências. Os atos precisam ser apurados e punidos”, frisou o presidente da Federação Nacional das Entidades de Oficiais Militares Estaduais (FENEME), coronel Marlon Teza, de Santa Catarina.

O fato é que algumas associações dividem com os governadores, comandantes-em-chefe das polícias, a influência sobre as tropas. “Temos sinais pretéritos que recomendam olhar diferenciado para algumas das associações. Não quero generalizar. Por isso, dizemos aos comandantes: cuidem dos seus comandados como filhos, porque, se não, alguém vai tentar cuidar”, ressaltou o presidente do Conselho Nacional de Comandantes-Gerais, coronel Euller Chaves, chefe da PM da Paraíba.

Risco

“Há um risco que não é pequeno, não é imaginário.”

Renato Sérgio de Lima

Presidente do FBSP