O Estado de S. Paulo, n. 46636, 24/06/2021. Metrópole, p. A22

Executivos criticam leis antiambientais

Emílio Sant'anna


Diante da iminente piora da já negativa imagem do Brasil na área ambiental – com a votação de projetos que ameaçam o setor e com a iminência do que poderá ser a pior crise hídrica do século –, um grupo de mais de cem empresários e personalidades assinou e enviou ontem ao presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), carta em que pede ao Legislativo para vetar três projetos da área ambiental defendidos pela gestão Jair Bolsonaro.

Um deles é o que modifica a demarcação de territórios indígenas e permite nessas áreas atividades como a mineração. Na terça-feira, indígenas entraram em confronto com a PM na frente do Congresso; o texto passou ontem na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. O outro é o PL que altera o Sistema Nacional de Unidades de Conservação e cria a categoria de “estrada-parque”. O terceiro, que os críticos já chamam de “PL da Grilagem”, trata da regularização fundiária de terras da União.

No texto, ao qual o Estadão teve acesso, o grupo argumenta que a destruição das florestas está ligada a mais uma crise hídrica enfrentada pelo País e com consequências para a indústria nacional. Com reservatórios em níveis preocupantes e aumento da tarifa de energia elétrica, advertem, os produtos e bens de consumo ficam mais caros e as margens de lucro e faturamento diminuem, além do risco de racionamentos e apagões. “Nossos parlamentares, na sua maioria negando fatos cientificamente comprovados, estão prestes a aprovar projetos que alteram profundamente a legislação ambiental, os quais agravarão sensivelmente esta já calamitosa situação”, diz a carta.

Signatários. O documento é assinado por empresários e nomes do mercado financeiro e da academia como Cândido Bracher (ex-presidente do Itaú), Walter Schalka (presidente da Suzano), José Olympio da Veiga Pereira (presidente do Crédit Suisse), Celso Lafer (professor emérito da USP, ex-ministro das Relações Exteriores e presidente da Fapesp), Horácio Lafer Piva (acionista da Klabin e ex-presidente da Fiesp) e Luiz Fernando Furlan (ex-ministro ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior).

A lista também tem nomes como Giem Guimarães (acionista e conselheiro do Grupo Positivo e diretor executivo do Observatório de Justiça e Conservação), Guilherme Leal (cofundador e copresidente do conselho de administração da Natura) e Nelson Sirotsky (do Grupo RBS). Da área cultural, assinaram figuras como Christiane Torloni e o cineasta Fernando Meirelles.

“O empresariado esclarecido está muito conectado com as medidas do Congresso, principalmente porque trabalha internacionalmente e isso prejudica muito nossos negócios”, destaca Giem Guimarães, do Grupo Positivo. “O Lira (presidente da Câmara) não dialoga com a sociedade, mas com a bolha dele.”

Polêmica. A repercussão dos projetos é a pior possível. O PL 490/2017, que altera a demarcação de territórios indígenas, por exemplo, retira do Planalto e transfere ao Congresso a competência de definir a demarcação de terras indígenas. O texto do relator, deputado Arthur Maia (DEM-BA), estabelece um marco temporal para definir o que é território indígena: as áreas que ocupavam em 5 de outubro de 1988 (promulgação da Constituição) em caráter permanente.

Outro que causa polêmica é o PL 984/19, que altera o Sistema Nacional de Unidades de Conservação e cria a categoria de “estrada-parque”. Ele abre caminho para a criação de uma estrada no meio do Parque Nacional do Iguaçu (PR), onde estão as Cataratas do Iguaçu. “Qual o sentido de tratar como urgência uma estrada em um parque nesse momento de pandemia?”, diz Guimarães. “O único sentido é o da negociata.”

Os danos potenciais do “PL da Grilagem” não ficam muito atrás, dizem os signatários. “Mais de 300 mil europeus assinaram um pedido de boicote aos produtos brasileiros caso o PL não seja retirado de pauta”, avisa o documento. Para o grupo, a pandemia da covid-19 deveria ser o momento de inflexão da política ambiental: “Será que não aprendemos nada com esta macabra pandemia e mais de meio milhão de brasileiros mortos?”.

A política ambiental da gestão Jair Bolsonaro tem sido alvo de críticas desde 2019. Segundo a assessoria de Lira, o documento ainda será analisado. Procurado, o Ministério do Meio Ambiente não se manifestou.

‘Prejuízos’

“Não podemos deixar que projetos irresponsáveis tragam prejuízos para nossas empresas e aos 210 milhões de brasileiros.”

Carta enviada pelo grupo