O Estado de São Paulo, n. 46637, 25/06/2021. Economia p.B3

 

STF julga se Congresso se omitiu sobre fortunas


Prestes a se aposentar, ministro Marco Aurélio entende que a crise 'aguda' exige que se debata taxação da riqueza proposta pelo PSOL

Weslley Galzo

 

Em uma de suas últimas decisões como ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), o decano e relator, Marco Aurélio Mello, levou ao plenário virtual a ação movida pelo PSOL que pede o reconhecimento de omissão do Congresso em discutir taxação de grande fortunas.

Com início hoje, o julgamento poderá terminar somente no dia 2 de agosto. A expectativa, porém, é de que pedido de vista (mais tempo para análise) seja apresentado e suspenda a votação por tempo indeterminado, conforme apurou o Estadão. O pedido se daria por haver a compreensão entre alguns dos ministros de que o momento não é propício para levar o Congresso a votar a lei complementar requerida pelo PSOL.

O relator entende ser necessária a análise do tema no plenário da Corte dada a situação socioeconômica do País. "A crise é aguda", escreveu Marco Aurélio no despacho que levou a pauta ao plenário virtual. "Ante o cenário de crise econômica, a não instituição do imposto sobre grandes fortunas, considerado o potencial arrecadatório, revela omissão inconstitucional", diz a ementa da ação no STF. O decano já sinalizou que reconhecerá em seu voto a conduta omissa do Legislativo.

A Constituição determina, no artigo 153, que caberá ao Legislativo a criação de lei complementar para regular o imposto sobre grandes fortunas. Com base no texto constitucional, o PSOL destaca o fato de, em mais de três décadas, o Congresso não ter se prontificado a votar projetos sobre o tema.

A ação surge num momento em que diversos países discutem mudanças tributárias com a inclusão de alíquotas mais progressivas. Nos Estados Unidos, o Partido Democrata, ao qual pertence o presidente Joe Biden, propôs em março deste ano a criação de imposto sobre "ultramilionários", com taxa anual de 2% sobre o patrimônio líquido de cidadãos e fundos que tenham rendimentos entre US$ 50 milhões e US$ 1 bilhão.

Em dezembro de 2020, o Congresso da Argentina aprovou a cobrança de impostos de até 3,5% sobre patrimônios de pelo menos US$ 3,4 milhões. O mesmo ocorreu na Bolívia, onde qualquer pessoa que possua mais de US$ 4,3 milhões em ativos será taxada entre 1,4% e 2,4%, a depender do montante da fortuna.

No Brasil, a proposta de sobretaxar os mais ricos enfrenta resistência jurídica da Advocacia-Geral da União (AGU) e da Procuradoria-Geral da República (PGR). Ambas argumentam ser facultativo o cumprimento das atribuições do Congresso nacional nessa pauta prevista na Constituição.

 

‘Intromissão’

“Se um poder determina que um outro deve exercer uma competência que não viola nenhum direito, está fazendo uma intromissão e ferindo um princípio constitucional.”

Flávio Molinari

ESPECIALISTA EM DIREITO TRIBUTÁRIO PELA FGV-DIREITO (SP)