O Estado de S. Paulo, n. 46632, 20/06/2021. Metrópole, p. A14

23% dos tratados relatam novas doenças pós-covid

Pam Belluck 



Pesquisa com 1,9 milhão de americanos revela: 1 a cada 4 tem problemas como dores nos nervos, pressão alta e cansaço
Após ter covid e se curar, centenas de milhares de americanos buscaram tratamento para problemas de saúde que não tinham antes de serem infectados, segundo o maior estudo feito até agora sobre os sintomas a longo prazo observados em pacientes que contraíram o coronavírus.

O estudo, que monitorou quase 2 milhões de americanos que contraíram o vírus no ano passado, concluiu que, um mês ou mais após a infecção, quase um quarto deles – 23% – buscou tratamento médico, relatando novos problemas de saúde. Foram pessoas de todas as idades, incluindo crianças.

Os problemas mais comuns relatados têm sido dores nos nervos e músculos, dificuldades para respirar, colesterol alto, mal-estar, cansaço e pressão alta. E também sintomas intestinais, enxaqueca, problemas de pele, anomalias cardíacas e transtornos do sono, mais ansiedade e depressão.

Esses problemas têm sido comuns mesmo em pessoas que não adoeceram com o vírus. Embora quase a metade dos pacientes hospitalizados tenha relatado problemas de saúde, a situação também foi a mesma em 27% dos que apresentaram sintomas moderados ou leves da covid-19, e 19% dos que disseram ser assintomáticos.

"O que nos surpreendeu foi a grande porcentagem dos assintomáticos entrou nessa categoria de sintomas de longo prazo da covid", disse a médica Robin Gelburd, presidente da Fair Health, organização sem fins lucrativos que fez o estudo com base no que afirma ser o maior banco de dados abrangendo empresas de seguro saúde.

Sem covid. Mais da metade dos 1.959.982 pacientes cujos registros foram analisados não reportaram sintomas da infecção por covid. E 40% tiveram sintomas, mas não foi necessária hospitalização, incluindo 1% cujo único sintoma foi a perda do olfato e do paladar. Somente 5% precisaram ser internados.

Segundo Robin, o fato de as pessoas assintomáticas relatarem sintomas pós-covid é importante e deve ser enfatizado de modo que pacientes e médicos avaliem a possibilidade de que alguns problemas de saúde na verdade são efeitos secundários do novo coronavírus. "Há algumas pessoas que podem nem saber que tiveram a covid19", disse ela. "Mas se continuarem a apresentar problemas que lhes são incomuns, vale a pena uma investigação pelosbmédicos que as estão tratando", ressaltou.

O estudo analisou registros de pessoas diagnosticadas com a covid entre fevereiro e dezembro de 2020 e as monitorou até fevereiro de 2021. E concluiu que 454.477 indivíduos consultaram um médico por causa de sintomas observados 30 dias ou mais após a infecção. De acordo com a Fair Health, a análise passou por uma revisão acadêmica independente, mas não foi formalmente revisada por pares.

"A força deste estudo está no seu porte e habilidade de examinar uma série de problemas graves em diversos grupos de idade", afirmou Helen Chu, professora de Medicina e doenças infecciosas na Universidade de Washington, que não participou da pesquisa.

O estudo "reforça o ponto de que a covid no longo prazo pode afetar quase todo o sistema orgânico", disse Ziyad Al-Aly, chefe do serviço de pesquisa e desenvolvimento do Health Care System de St. Louis, Virginia, também não envolvido no estudo. "Algumas dessas manifestações

Pessoas com sintomas que surgem depois de curadas da covid precisam de cuidados multidisciplinares. E o nossos sistemas de saúde têm de se adaptar a esta realidade e se capacitarem para tratar esses pacientes."

Ziyad Al-Aly

Pesquisador da Virginia, EUA

são crônicas e marcarão para sempre alguns indivíduos e famílias", acrescentou Al-Aly.

Dores. Neste novo estudo, o problema mais comum relatado pelos pacientes foi dor – incluindo inflamação nos nervos e dores nos nervos e músculos –, o que foi reportado por mais de 5% dos pacientes, ou quase 100 mil pessoas. Ou seja, mais de um quinto daqueles com problemas pós-covid. Dificuldades para respirar, incluindo falta de ar, foram relatados por 3,5% dos monitorados.

Quase 3% dos pacientes buscaram tratamento para problemas relacionados a mal-estar e cansaço, uma categoria de amplo alcance que inclui situações de confusão mental e exaustão que pioraram depois de uma atividade física ou mental. Outros problemas, especialmente entre adultos nos seus 40 ou 50 anos de idade, incluíram colesterol alto (3% dos pacientes) e pressão alta (2,4%). Al-Aly disse que esses problemas, que não têm sido considerados efeitos secundários do vírus, "deixam cada vez mais claro que a vida pós-covid é marcada por desarranjos no sistema metabólico".

Relativamente poucas mortes – 594 – ocorreram 30 dias ou mais após a infecção pela covid. O estudo, como muitos que envolvem registros eletrônicos, soluciona alguns aspectos do panorama pós-covid. Mas não indica quando surgem os sintomas ou por quanto tempo persistiram os problemas nem avaliou

exatamente quando os pacientes buscaram ajuda. Sugeriu, apenas, que isso ocorreu 30 dias depois ou mais.

Os bancos de dados incluíram somente pessoas com plano de saúde privado ou Medicare Advantage e não as não asseguradas ou cobertas pelo Medicare Parts A, B e D, o Medicaid ou outro programa de saúde pública. Chu disse que as pessoas sem um plano de saúde ou de renda baixa suficiente para inscrição no Medicaid com frequências "são as que têm mais probabilidade de sofrer problemas piores", de modo que as conclusões do estudo podem subestimar a prevalência desses sintomas ou não representar um quadro mais amplo de indivíduos.

É também possível que algumas pessoas classificadas como assintomáticas tenham desenvolvido sintomas depois de terem testado positivo. E algumas que receberam seu primeiro diagnóstico de um problema de saúde, como hipertensão ou colesterol alto, pós-covid, talvez já tivessem esses problemas antes e nunca se trataram.

No geral, dizem os especialistas, as conclusões do estudo realçam o caráter variado e generalizado dos sintomas póscovid. "As pessoas com sintomas que surgem depois de curadas da covid precisam de cuidados multidisciplinares", disse Al-Aly, "e o nossos sistemas de saúde têm de se adaptar a esta realidade e se capacitarem para tratar esses pacientes". / Tradução de Terezinha Martino