O Estado de S. Paulo, n. 46632, 20/06/2021. Metrópole, p. A12

500 mil mortes e sem saber quando se vencerá a covid

Mariana Hallal
Julia Affonso


O Brasil chegou ontem a 500.868 mortos por covid-19. Com vacinação lenta, baixa adesão ao isolamento social e sem política nacional de testagem em massa, também é o país com o maior número de óbitos pela doença em 2021. Pela primeira vez desde o início da pandemia, a maioria dos novos óbitos registrados em território brasileiro em junho não foi de idosos. Apesar de alguns governadores projetarem vacinar toda a população de seus Estados com pelo menos uma dose até o fim de agosto, a incerteza na entrega de vacinas e o surgimento de novas variantes tornam o futuro da epidemia incerto no País. O distanciamento social é um dos pilares do controle do coronavírus, mas o Brasil nunca conseguiu, de fato, implementar essa medida. Especialistas ressaltam que o País também deveria ter apostado em uma política de testagem em massa, o que não ocorreu. Falharam também campanhas de conscientização sobre a doença. Resta, portanto, esperar que as promessas de vacinação se cumpram. Ontem, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, lamentou nas redes sociais as "500 mil vidas perdidas pela pandemia que afeta o Brasil e o mundo".

Com vacinação lenta – até ontem só 11,45% da população havia recebido as duas doses –, baixa adesão às medidas de isolamento e sem políticas nacionais de testagem em massa, o Brasil superou a marca de 500 mil mortes pela covid-19 (500.868, conforme dados do consórcio de veículos de imprensa, que inclui o Estadão).

O Brasil viu a pandemia crescer, com o País vindo a liderar em mortes neste ano, e rejuvenescer: 54,4% das vítimas de junho tinham menos de 60 anos. Em todos os meses do ano passado, esse porcentual ficou sempre abaixo dos 30%. A proporção de mortos sem fatores de risco – menores de 60 anos e sem nenhuma doença crônica – mais do que dobrou desde os primeiros meses – é quase 1/10 do total.

Apesar de alguns governadores projetarem vacinar toda a população com pelo menos uma dose até o fim de agosto, a incerteza na entrega de vacinas e o surgimento de novas variantes ainda tornam o futuro da epidemia incerto no País. Apesar das medidas para conter a disseminação do vírus, São Paulo é o Estado com maior número absoluto de mortes por covid-19. O Amazonas, um dos locais mais atingidos pelo coronavírus, lidou com uma crise de abastecimento de oxigênio na capital, Manaus, no início de 2021. E o Rio Grande do Sul conseguiu controlar a disseminação do coronavírus em 2020, mas viu casos e mortes pela covid-19 dispararem no início deste ano e já é o nono Estado com maior proporção de óbitos.

Epidemiologista e professor da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Pedro Hallal afirma que pelo menos 400 mil óbitos poderiam ter sido evitados, se o governo federal tivesse adotado medidas para controlar a pandemia. Para ele, houve atraso na compra de vacinas, desestímulo ao uso de máscaras e à imunização e não implementação de uma política rigorosa de isolamento social. Além disso, há aposta em remédios ineficazes, como a cloroquina. "Temos duas crises: a do vírus e a da ignorância", disse ontem o presidente do Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (Conass), Carlos Lula.

O distanciamento continua a ser desafio. Dados do Google sobre mobilidade mostram que a porcentagem de pessoas que deixaram de se deslocar para o trabalho variou entre 42% e 25%. E há dificuldades cada vez maiores em implementar restrições. "O Brasil precisa de três semanas de um lockdown rigoroso. Mas sabemos que também é muito difícil", diz Pedro Hallal.

Para Marcel Ribeiro-Dantas, pesquisador em bioinformática no Instituto Currie (França) e integrante da isola.ai, iniciativa que conduz estudos relacionados ao distanciamento social na

"O be-a-bá de uma doença infecciosa como a covid-19 é a testagem, e o Brasil não testou a população."

Pedro Hallal

Epidemiologista

América Latina, as medidas fracassaram por falta de fiscalização e de alinhamento no discurso. "Não adianta o prefeito falar uma coisa e a oposição dizer outra. Falta uma voz uníssona." Para o médico José Cherem, integrante do Núcleo de Pesquisa Biomédica da Universidade Federal de Lavras (UFLA), também "falta subsídio financeiro".

Os especialistas ressaltam ainda que o Brasil deveria ter apostado em uma política de testagem em massa. Em geral, o Sistema Único de Saúde (SUS) só oferece teste a quem manifesta sintomas claros – e o resultado demora. "O Brasil precisa ainda começar a fazer o sequenciamento para enfrentar a pandemia com informações mais criteriosas", defende José Cherem. O médico fala que, quando um país sabe com quais cepas está lidando, consegue calcular o impacto que o vírus terá sobre o sistema de saúde e tem tempo de prepará-lo.

Imunização. Os especialistas são reticentes em cravar o futuro da pandemia, mas concordam que dificilmente o País adotará políticas de isolamento e testagem eficientes. Sobra, portanto, a vacinação. O País comprou, ao todo, 559,6 milhões de doses de 5 imunizantes aprovados pela Anvisa, conforme a plataforma apolinar.io/vacinas. A previsão é de que tudo seja entregue até dezembro.

Ontem, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, se manifestou nas redes sociais, lamentando as "500 mil vidas perdidas pela pandemia que afeta o Brasil e o mundo". "Trabalho incansavelmente para vacinar todos os brasileiros no menor tempo possível e mudar esse cenário que nos assola há mais de um ano. Presto minha solidariedade a cada pai, mãe, amigos e parentes que perderam seus entes queridos." O presidente Jair Bolsonaro não se manifestou.