Título: Aborto fica mais perto da legalização
Autor: Rodrigo Vasconcelos
Fonte: Jornal do Brasil, 28/08/2005, Brasília, p. D1

A antiga polêmica sobre a descriminalização do aborto deverá tomar novo fôlego a partir da apresentação do relatório sobre o Projeto de Lei nº 1135 de 1991, no dia 1º de setembro. O texto do projeto retira do Código Penal o artigo 124, que caracteriza como crime o aborto provocado pela gestante ou com o seu consentimento. O tema é polêmico e as opiniões de especialistas, políticos e lideranças religiosas dividem a sociedade. A deputada federal Jandira Feghali (PC do B-RJ), relatora do projeto na Comissão de Seguridade Social e Família, defende que a questão seja encarada do ponto de vista da saúde pública.

- A lei é para todos e a base dela não são os valores religiosos, mas os democráticos. A lei amplia direitos e já garantiu a redução do número de mortes de mulheres em vários países do mundo - disse Feghali.

O projeto estabelece critérios para a interrupção da gravidez baseados no tempo de gestação do feto. A mulher poderá optar pela interrupção em qualquer período da gravidez nos casos de estupro, risco de morte ou se o feto não apresentar ''condições de sobrevida em decorrência de malformação incompatível com a vida ou de doença degenerativa incurável, precedida de indicação médica, ou quando por meios científicos se constatar a impossibilidade de vida extra-uterina''.

A hipótese contempla o direito ao aborto em casos de anencefalia, anomalia de desenvolvimento do feto que não apresenta total ou parcialmente os hemisférios do cérebro e o cerebelo. Nesses casos, não há chances de que o bebê sobreviva, caso chegue a nascer.

Em julho de 2004, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio de Mello chegou a conceder à Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde uma liminar que permitia a interrupção da gravidez nos casos de anencefalia. Católico, o então procurador-geral da República, Cláudio Fonteles, manifestou-se contrário à decisão por entender que a vida deve ser protegida desde a concepção, não a partir do parto.

O plenário do STF cassou a liminar em outubro, numa sessão tumultuada e polêmica, por 7 votos contra 4. Durante o julgamento da ação, o ministro Marco Aurélio de Mello chegou a convidar o colega Joaquim Barbosa para resolver as divergências entre os dois ''fora do tribunal''.

Direito a optar -Mas os outros pontos do projeto de lei não são menos controversos. O texto concede à mulher o direito de optar pela realização do aborto até a 12ª semana de gravidez por qualquer motivo. A partir daí, o aborto é permitido até a 22ª semana em caso de grave risco à saúde física e mental da gestante ou se o feto apresentar anomalia grave e incurável.

O procedimento de interrupção da gravidez deverá ser assegurado pela rede pública de saúde por meio de equipes formadas por médicos, psicólogos e assistentes sociais. Mas ao médico é reservado o direito de recusar-se a fazer o aborto por motivo de consciência.

Até julho de 2004, vários projetos de lei sobre o aborto tramitavam no Congresso Nacional. O governo criou então uma comissão tripartite, composta por parlamentares, religiosos e sociedade civil, com o objetivo de elaborar um texto único que refletisse o consenso mínimo em torno do assunto. É sobre esse projeto que a deputada Jandira Feghali apresentará um parecer.

A partir daí, o projeto percorrerá um longo caminho no Congresso: depois da votação na CSSF, seguirá para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) para a redação final, de onde será remetida para votação no plenário da Câmara.

Se aprovado, irá para a Comissão de Assuntos Sociais do Senado, daí para a CCJ e só então ao plenário. Se houver qualquer alteração, o texto volta à Câmara. É nesses espaços que atuarão os lobbies contra e a favor do aborto.