Título: DF já não exige boletim de ocorrência
Autor: Rodrigo Vasconcelos
Fonte: Jornal do Brasil, 28/08/2005, Brasília, p. D1

O então ministro da Saúde, Humberto Costa, assinou, um dia antes de deixar o cargo em 7 de julho deste ano, a portaria 1145, que regulamenta os procedimentos para realização de abortos na rede pública de saúde nos casos previstos em lei (risco de morte materna e gravidez decorrente de estupro). A portaria, suspensa temporariamente pelo atual ministro da Saúde, Saraiva Felipe, faz uma série de exigências. Dois profissionais de saúde devem escrever um relato circunstanciado do crime de estupro. Um parecer técnico tem de ser elaborado por meio de exames físico, ginecológico e de ultra-som.

Já a mulher é obrigada a assinar dois termos: o primeiro, de responsabilidade, com advertência sobre os crimes de falsidade ideológica e de aborto, para evitar que recorressem ao procedimento mulheres que não foram vítimas de estupro; e o segundo, de consentimento, quando são explicados à paciente os riscos, o acompanhamento e o sigilo do procedimento.

No Distrito Federal, o Serviço de Aborto Legal existe desde 1996, instituído por uma portaria da Secretaria de Saúde para atender as mulheres vítimas de estupro. O Serviço funciona no Hospital Regional da Asa Sul (HRAS), onde conta com uma equipe formada por três médicos, uma psicóloga, uma assistente social e uma enfermeira.

- Primeiro, fazemos uma análise para ver se a época do estupro coincide com o tempo de gestação. Depois, encaminho a mulher para a psicóloga e a assistente social. No fim, fazemos uma reunião com toda a equipe para avaliar se as condições para a realização do aborto foram ou não atendidas - disse o médico ginecologista José Marsiglio Neto.

Os procedimentos para a realização do aborto são praticamente os mesmos previstos na portaria 1145. Mas a exigência do boletim de ocorrência é questão controversa.

- O Código Penal não obriga a exigência de B.O. para a realização do aborto e, embora se recomende pedir à vítima a apresentação do boletim, não se pode negar à mulher o direito à assistência caso ela opte por não registrar ocorrência - disse o coordenador do Programa de Saúde da Mulher da Secretaria de Saúde do DF, Avelar de Holanda Barbosa, um dos criadores do Serviço de Aborto Legal no DF.

Além do Serviço de Aborto Legal do HRAS, qualquer hospital regional do DF possui uma equipe de profissionais preparada para atender as vítimas de estupro. As emergências dos hospitais regionais têm kits de medicamentos para prevenção da gravidez e de doenças sexualmente transmissíveis, como a Aids e a hepatite tipo C. Mas os medicamentos são eficazes somente se tomados nas primeiras 72 horas após o estupro.

Desde 1996 até o ano passado, o Serviço atendeu a 453 mulheres. Nesse período, foram realizados apenas 45 interrupções de gravidez: 27 por estupro e 18 em decorrência de risco de morte para mãe.

A maioria das mulheres vítimas de estupro que procurou o serviço não pôde realizar o aborto porque o tempo de gestão já era superior ao limite permitido em lei para a interrupção da gravidez.