Título: `Club drugs¿
Autor: Sérbio Abramoff
Fonte: Jornal do Brasil, 20/08/2005, Outras Opiniões, p. A11

Difícil argumentar com os jovens sobre o risco do uso de drogas. Parece que funciona um pouco como a tatuagem, uma linguagem de diferenciação, de demarcação de fronteiras entre gerações. Geralmente o tatuado ou o pierçado sabe que a primeira aparição na casa dos pais causará um certo impacto, e isso de certa forma inscreve em si uma afirmação de identidade, de ruptura com as cobranças e padrões de comportamentos, os quais rejeita na sociedade que o cerca.

O primeiro cigarro de maconha é um pouco por aí, um pouco como na geração dos pais eram os pegas de automóveis, ou as travessuras baseadas no sexo reprimido. Infelizmente, o cigarro de maconha não vai para o pulmão, ou para o fígado, mas para o cérebro, onde permanece por 30 dias, afetando principalmente a região do tálamo, espécie de central de transmissão de todos os estímulos para o córtex cerebral. Sua forma de ação se dá pela liberação excessiva e conseqüente consumo de delicadas moléculas de neurotransmissores, responsáveis pelo equilíbrio e tônus do sistema nervoso. Produz uma espécie de prazer corrupto, porque se baseia na ilusão química, no atalho desonesto para um aprimoramento de sensibilidade e bem-estar.

Não pretendo repetir argumentos já expostos anteriormente (''Maconha, infelizmente, não e uma boa'', no JB de 19/09/04), mas vale ressaltar que o uso continuado provoca uma alteração na distribuição e número de neuroreceptores cerebrais, criando condições de necessidade de uma busca repetida do estimulo prazeroso, muitas vezes escalonada para outras drogas e comportamentos de risco.

É nesse contexto que se inserem agora estas drogas de clubes, ou festas, ou raves, que vem se tornando uma ameaça real, tanto para seus usuários voluntários, como para jovens que inadvertidamente ingerem bebidas às quais foram adicionadas substâncias líquidas com potencial alucinógeno. Recente publicação em prestigiada revista médica (New England Journal of Medicine, 30/6/2005) deu importante alerta contra as club drugs (GHB, ecstasy, ketamina e metanfetaminas) e o número crescente de jovens que chegam desacordados às emergências dos grandes hospitais - no caso dois jovens que necessitaram de entubação e ventilação artificial, por apresentarem parada respiratória ao darem entrada para atendimento. Haviam misturado álcool com GHB, droga liquida sem cor, sem cheiro, sem gosto, e tida como inocente e afrodisíaca. Provoca uma euforia que se inicia em 30 minutos, mas que facilmente pode evoluir para tonteiras, náuseas, vômitos, confusão, alucinações e convulsões. Se misturado com álcool, provoca depressão respiratória, coma e morte. Infelizmente começa a ser usado com intenções de abuso sexual, com a vítima não tendo qualquer recordação do ocorrido (amnésia).

Nossos jovens vêm trilhando, sob nossa permissividade, um caminho mais voltado para o prazer imediato do que para o investimento em recompensas a médio e longo prazo. Atualmente torna-se cada vez mais freqüente as adolescentes que recorrem ao álcool para assumir a opção por características masculinas, ao partindo ''à caça'' dos meninos, e disputando também entre si o numero de conquistas em uma única noite.

As drogas provocam, principalmente nos que apresentam problemas emocionais anteriores (dificuldade de concentração e memorização, irritabilidade, mau- humor, impulsividade, desconforto existencial, dificuldade de adaptação social, tendência à depressão etc), um efeito de alívio e estabilização emocional, o que os torna especialmente suscetíveis à dependência e a uma síndrome amotivacional, com queda de produtividade, desistências no estudo e no trabalho, e rupturas com amizades antigas que não compartilhem do novo comportamento.

O grande dilema é que não podemos saber de antemão quais serão as vítimas e quais os sobreviventes (e todos os jovens se colocam neste último grupo, até atingirem o ponto de não-retorno da dependência). Precisamos ter determinação e diálogo continuado para convencermos nossos filhos a procurar caminhos de desenvolvimento pessoal e espiritual que não impliquem no risco daquilo que mais prezam, a conquista da sua independência e liberdade como indivíduos e sociedade.