Título: Acordão pela democracia
Autor: João Roberto Lopes Pinto
Fonte: Jornal do Brasil, 18/08/2005, Outras Opiniões, p. A11

Há uma novidade na crise política vivida pelo país. Trata-se de sua extensão, pelo comprometimento dos grandes partidos e pela exposição a nu das distorções do sistema político. Certamente isso se deve ao fato de ser agora o Partido dos Trabalhadores (PT), paladino da ética, o alvo das denúncias que paralisam o país. Na época de Fernando Collor ou dos anões do orçamento as investigações serviram mais para confirmar e condenar fichas corridas de notória corrupção. Nesse sentido, a crise atual traz uma grande possibilidade de aperfeiçoamento institucional, que o impedimento de um presidente e a cassação de deputados anões não foram capazes de produzir.

A extensão da crise é tanta que governo e oposição chegaram a levantar a possibilidade de um acordo(ão) pela governabilidade e estabilidade econômica, sem apontar, contudo, para reformas nas instituições políticas. Isso significaria deixar tudo como está, mesmo que esperadas cassações aconteçam. Apenas cassação como desfecho dessa crise é pizza! A oportunidade de produzir aperfeiçoamentos institucionais é algo urgente e reconhecido por todos os setores da sociedade. Para que eventuais mudanças valham já nas próximas eleições elas precisam ser realizadas até 30 setembro.

O Congresso Nacional tem uma chance histórica de tomar a iniciativa, em consonância com os anseios da sociedade. O Executivo está acuado e agindo, infelizmente, na linha da blindagem e da acomodação à crise. É verdade que segmentos expressivos do Congresso estão igualmente comprometidos com essa estratégia avestruz. Contudo, alguns parlamentares estão se movimentando em favor de mudanças no sistema político. Para que este movimento ganhe consistência e conseqüência é indispensável angariar apoio na sociedade civil, abrir-se a um ''acordão democrático''.

Esse acordo precisa estar assentado nos princípios democráticos da transparência, do controle social e combate ao abuso do poder econômico defendidos, entre outros, por organizações civis como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Associação Brasileira de ONGs (Abong), Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Central Única dos Trabalhadores (CUT), União Nacional dos Estudantes (UNE) e União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES), signatárias da Carta ao Povo Brasileiro. Propostas nessa direção também têm sido levantadas, é bom frisar, por parlamentares, mas que não serão aprovadas sem o povo nas galerias.

Seriam medidas emergenciais que preparariam o terreno para uma reforma mais ampla. O financiamento público de campanha associado à proibição do marketing nos programas eleitorais e a suspensão do sigilo bancário de pessoas com cargos públicos e de operações privadas com o governo, são medidas que poderiam ser implementadas ainda nessa legislatura. A eleição no próximo ano de um Congresso em parte renovado é condição para se aprofundar a reforma política em direção a outros aperfeiçoamentos necessários.

Já a agenda de alterações na política econômica ficaria fora desse acordo. No diálogo com a sociedade, o Congresso se concentraria na agenda político-institucional, a fim de restaurar princípios democráticos e republicanos. Por mais que também seja verdadeiro que o atual sistema seja funcional ao domínio da atual política econômica, que passa incólume pela crise, parece restar ainda espaço para o resgate da credibilidade da política.

Esse resgate é responsabilidade de todos e todas, mas no caso do Congresso talvez seja uma questão de sobrevivência institucional. Não porque exista qualquer possibilidade de fechamento do Congresso. Com a suspeição pública que hoje paira sobre partidos e parlamentares, se algum risco existe é o da auto-anulação do parlamento como o espaço da representação social. Resta saber, então, se o Congresso está à altura da tarefa. Com a palavra, os (as) congressistas.

Coordenador do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase)