O Globo, n. 32782, 09/05/2023. Economia, p. 12

Mudanças no marco fiscal

Míriam Leitão


O Congresso deve incluir no projeto do arcabouço fiscal algumas medidas para torná-lo mais forte. O que está sendo pensado, segundo fontes que acompanham a negociação no Congresso, é que quando o governo não cumprir a meta fiscal ficará proibido de dar aumento real ao funcionalismo, abrir concurso público e conceder novas renúncias fiscais. Algumas exceções serão fechadas. Por exemplo, todo aumento de capital de estatais estará incluído no limite de gastos, inclusive as estatais não financeiras. O novo piso da enfermagem também ficará dentro do limite.

O que muitos economistas disseram é que a proposta da Fazenda tinha méritos, mas era necessário ter formas de garantir o cumprimento da meta. Nem o governo, nem o Congresso acham aceitável criminalizar o administrador público que não cumprir a meta. Mais eficiente, dizem, é proibir determinadas despesas em caso de descumprimento.

As reações a essas propostas devem vir principalmente do PT. O partido chegou a discutir a possibilidade de propor alternativas ao arcabouço, o que não faria qualquer sentido, dado que ele é o partido do governo. E pediu sugestões ao professor Ricardo Carneiro, um economista petista defensor da antítese de tudo o que foi proposto pelo Ministério da Fazenda. Se iniciativas assim forem adiante restará provado que, na área econômica, o PT não precisa de oposição.

O governo tem dado sinais contraditórios na economia. A equipe econômica quer manter diálogo com o Banco Central, apesar de os ministros Fernando Haddad e Simone Tebet terem deixado claro que acham os juros altos demais. O presidente e a direção do PT querem briga com o Banco Central. Lula já falou contra a autonomia do BC.

Nesse meio de campo conflagrado, atuará daqui para diante o atual secretário executivo do Ministério da Fazenda, Gabriel Galípolo. Ele foi indicado ontem pelo presidente e por Haddad para ser o diretor de Política Monetária do Banco Central. Galípolo é bem visto no Congresso, portanto não deve ter dificuldades na sabatina e na aprovação. O processo deve ser rápido, até porque a diretoria de Política Monetária está há quase dois meses sem titular. O problema é que ele fará falta no Ministério da Fazenda porque tem se mostrado um hábil articulador entre executivo e Congresso.

Galípolo foi escolhido porque era difícil encontrar alguém que preenchesse dois requisitos. Não provocasse dúvidas no mercado financeiro e agradasse o presidente Lula. O escolhido para a diretoria de Fiscalização é o funcionário de carreira, Ailton Aquino dos Santos. Ailton é o primeiro negro a assumir uma diretoria no Banco Central. É bom que seja ele, mas é um espanto que tenha demorado tanto a haver negros no comando da instituição.

O ministro Haddad terá que se empenhar na defesa do novo marco fiscal. As ideias que estão sendo incorporadas ao arcabouço no Congresso vão no sentido de torná-lo mais forte. A proibição de aumento real de salário, de abertura de concursos para contratação de servidores e de concessão, pelo executivo ou pelo legislativo, de renúncia tributária são medidas coerentes com a ideia de sanear as contas públicas. Seria estranho o oposto, não cumprir a meta e poder contratar aumento de despesa permanente. O piso da enfermagem passará a ficar dentro da meta para evitar o precedente. Outras categorias poderiam exigir a mesma coisa. A inclusão de aumento de capital de todas as estatais dentro do limite de gastos dá garantia de que não vai se repetir um caso como o da Emgepron, que recebeu um aporte bilionário no governo Bolsonaro, por fora do teto.

Tornar o marco fiscal mais crível é fundamental num governo que tem tido tanto ruído na economia. Propôs mudança no marco do saneamento e foi derrotado no Congresso. Se propuser o fim da autonomia do Banco Central, vai perder também. O sinal dado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira, foi de que se o presidente Lula quiser desprivatizar a Eletrobras também não terá sucesso.

O governo Lula tem aberto muitos conflitos na área econômica, sem demonstrar ter uma estratégia. Isso alimenta a instabilidade. Se existe algo que o país não precisa é de uma crise econômica, quando ainda enfrenta os reflexos de uma tentativa de golpe de estado.