O Globo, n. 32782, 09/05/2023. Economia, p. 11

Da Fazenda para o BC

Ivan Martínez-Vargas
Manoel Ventura
Vera Magalhães
Victor da Costa


O secretário executivo do Ministério da Fazenda, Gabriel Galípolo, foi anunciado ontem como o nome indicado pelo governo para a diretoria de Política Monetária do Banco Central (BC). Segundo o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, essa nomeação ajudará a integrar as políticas fiscal e monetária. Galípolo é considerado o braço-direito do ministro. Também seria uma estratégia para o governo ter mais voz nas decisões sobre a taxa básica de juros, a Selic.

— A primeira vez que ouvi o nome do Galípolo para o Banco Central partiu do Roberto Campos Neto. Eu estava na reunião do G20 na Índia e fomos almoçar juntos. Foi a primeira pessoa que mencionou a possibilidade, no sentido de entrosar as equipes do Ministério da Fazenda e do BC — disse Haddad.

Galípolo e Campos Neto são próximos e conversam quase diariamente, de acordo com interlocutores dos dois.

Perguntado sobre uma eventual ação para pressionar o BC a reduzir a Taxa Selic, hoje em 13,75% e alvo de críticas no governo, Haddad afirmou que Galípolo terá autonomia:

—Tem ali (no BC) nove diretores, e o presidente Lula vai indicar os nomes. Gabriel não é filiado ao PT, foi convidado a participar do governo por mim, foi um convite pessoal. Ele nunca teve militância partidária e é conhecido do mercado. Ele está indo para o BC com autonomia e para cumprir a lei, e buscar crescer com baixa inflação e justiça social.

‘Mudar balanço de forças’

Galípolo seria visto pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva como um contraponto ao atual presidente do BC, Roberto Campos Neto. Faz parte de uma estratégia para garantir “maioria” no Comitê de Política Monetária (Copom) do BC ainda este ano.

A Taxa Selic é definida pela maioria do Copom, formado pelos oito diretores do BC e seu presidente. Ontem o governo indicou dois nomes

(veja abaixo). Outros dois nomes serão indicados em dezembro. Todos terão de passar por sabatina no Senado.

Para alcançar a “maioria”, a equipe de Haddad terá de atrair mais um diretor, segundo integrantes do governo.

— O mercado viu como uma sinalização de que o governo está buscando mudar o balanço de forças dentro do Copom para iniciar um ciclo de cortes de juros prematuro —diz o estrategista-chefe do Banco Mizuho, Luciano Rostagno.

Galípolo sempre foi o preferido de Haddad para substituir Campos Neto, cujo mandato se encerra no fim de 2024.

Em relatório, o diretor do Departamento de Pesquisa Econômica para a América Latina do Goldman Sachs, Alberto Ramos, afirma que “a percepção de que Galípolo eventualmente substituirá Campos Neto tem o potencial de gerar alguns atritos e mal-estar no Copom”.

Segundo fontes ouvidas pela colunista do GLOBO Vera Magalhães, nos corredores do BC a indicação de Galípolo foi vista como um gesto em direção ao diálogo. Ela diz ainda que, no entendimento do mercado, a escolha indicaria a opção de Haddad de construir um caminho gradativo para a queda da Selic.

Campos Neto ficará mais de um ano e meio à frente do BC e, nesse período, terá o seu provável sucessor na cadeira mais importante da diretoria. Para o governo, esse cenário levará a mais discussões internas sobre o patamar dos juros. E isso será puxado por alguém respeitado pelo mercado e pelo governo, na visão da Fazenda.

O diretor de Política Monetária tem um papel fundamental na definição da Selic: sob a sua gestão ficam as mesas de câmbio e de juros —ou seja, a operações dos leilões de títulos e swaps cambiais que regulam a oferta de dinheiro e de dólares em circulação.

Mas, até que se tenha maior clareza sobre a postura que Galípolo adotará no Copom, haverá volatilidade no mercado, diz o ex-diretor do BC Tony Volpon:

— Ele é o candidato óbvio a ficar no lugar do Roberto Campos Neto, e teremos um ano e meio para ver seu comportamento. A ideia foi essa: colocá-lo no Copom agora para ele ir entendendo o processo do Banco Central e criando uma credibilidade ao longo do tempo. Ele tem uma visão diferente das pessoas que estão no Copom hoje. O desafio dele é conseguir comunicar uma visão diferente de mundo, mas ainda com credibilidade.

Segundo Volpon, o mercado quer saber se essa nova visão de mundo terá compromisso com a meta de inflação, ou se será dada prioridade ao crescimento da economia:

— Se eles mostrarem responsabilidade, especialmente compromisso com a meta de inflação, as expectativas vão melhorar. Mas entre agora e a construção dessa credibilidade, o mercado vai ficar volátil, porque é um elemento de incerteza.

Essa volatilidade, diz Volpon, deve aumentar caso o governo avance na ideia de criar uma “bancada de oposição” dentro do Copom, ao indicar nomes que façam contraponto aos atuais membros.

O dólar comercial, que já havia aberto em alta, ampliou sua valorização após o anúncio do nome de Galípolo. A divisa avançou 1,38%, a R$ 5,0114. Já o Ibovespa subiu 0,85%, aos 106.042 pontos, puxado por papéis ligados a commodities.

Volpon ressalta que, mais importante do que os próximos votos de Galípolo no Copom, será a forma como eles serão justificados:

—Tem o argumento técnico para cortar os juros, mas tem que ver como ele vai articular isso. Se ele vier com uma lógica que não faz muito sentido frente aos fatos que temos na economia neste momento, vai ser muito ruim. É o desafio dele.

Rostagno, do Mizuho, destaca que, com Galípolo no Copom, “o debate em torno das metas de inflação também vai ser importante”:

—Tivemos, em um passado não muito distante, uma experiência muito ruim com um Banco Central mais leniente com a inflação.

Bem-visto na oposição

Volpon lembra que o processo de adquirir credibilidade no Copom será contínuo, já que os indicados para as próximas vagas tenderão a se alinhar com Galípolo. Mas ressalta que, se o atual secretário da Fazenda fosse nomeado diretamente para o lugar de Campos Neto, “o choque seria maior”.

Rostagno, por sua vez, afirma que a possibilidade de antecipar a saída de Campos Neto para Galípolo assumir criaria desconforto, com repercussão negativa no mercado.

Por outro lado, Galípolo pode sofrer um desgaste precoce se a ideia de Lula e Haddad for torná-lo presidente do BC quando o mandato de Campos Neto terminar, apontam fontes ouvidas pela colunista Vera Magalhães.

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSDMG), elogiou Galípolo:

— Tem excelente diálogo com o Congresso Nacional. Vejo com bastante otimismo. É um nome que agrada certamente o Senado Federal.

Até senadores da oposição consideraram a escolha acertada. Ex-ministro de Jair Bolsonaro, o senador Ciro Nogueira (PP-PI) disse ter uma “boa impressão” de Galípolo, principalmente pelo diálogo estabelecido com o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP). Já o senador Rogério Marinho (PLRN) disse esperar isenção:

— Espero que o indicado, caso seja escolhido, se atenha aos fundamentos da boa política monetária que o BC vem executando.

O advogado Dario Durigan, que foi assessor especial de Haddad na prefeitura de São Paulo, substituirá Galípolo na Fazenda. Desde janeiro de 2020, Durigan era head de políticas públicas do WhatsApp no Brasil. (Colaboraram Guilherme Caetano e Victoria Abel)