O Globo, n. 32785, 12/05/2023. Economia, p. 14

Desigualdade cai ao menor nível em uma década

Carolina Nalin


A recuperação do mercado de trabalho e o pagamento do então Auxílio Brasil no valor de R$ 600 em 2022 levaram a população brasileira a experimentar uma melhora tanto no rendimento quanto no nível de desigualdade —que chegou ao menor patamar em uma década, apesar de ainda ser uma das mais altas do mundo. As informações são da “Pnad Contínua: rendimento de todas as fontes 2022”, divulgada ontem pelo IBGE.

Nunca o país teve tantas famílias brasileiras recebendo recursos do principal programa de transferência de renda do governo, o Auxílio Brasil — hoje Bolsa Família. O percentual de lares atendidos pelo benefício chegou a 16,9% em 2022, recorde da série, iniciada em 2012. Esse percentual não considera o auxílio emergencial, contabilizado como outro programa social.

Antes da pandemia, em 2019, essa parcela era de 14,3%; em 2012, de 16,6%.

Já o índice de Gini domiciliar per capita, que mede a desigualdade, passou de 0,544 em 2021 para 0,518 em 2022, menor valor desde 2012. O indicador varia de 0 a 1, sendo que, quanto mais perto de zero, menor é a desigualdade de renda e, quanto mais perto de 1, maior é a desigualdade.

Alessandra Brito, analista do IBGE, lembra que a desigualdade havia aumentado na passagem de 2020 para 2021 diante da redução do valor do auxílio emergencial e de sua interrupção no final daquele ano, com um mercado de trabalho que ainda se recuperava de forma gradual da pandemia. Mas a desigualdade recuou em 2022 por dois fatores principais, diz ela:

— Essa redução é reflexo de um mercado de trabalho menos desigual. Além disso, teve o pagamento do Auxílio Brasil, em substituição ao Bolsa Família, com valor de R$ 600. Mas ela faz uma ressalva:

— Apesar da diminuição, a desigualdade no Brasil ainda é alta em comparação com outros países.

62% tiveram alguma renda

Em 2022, a renda do 1% mais rico (cuja renda domiciliar per capita é de R$ 17.447) era 32,5 vezes o rendimento médio dos 50% que ganham menos (R$ 537). Em 2021, essa razão era de 38,4 vezes.

Para Daniel Duque, pesquisador da área de economia aplicada do Ibre/FGV, o novo desenho do Bolsa Família — que foi turbinado com adicional de R$ 150 por criança —pode ajudar na continuidade da redução da desigualdade, embora o ritmo de queda não deva ser na mesma proporção que a observada de 2021 para 2022:

— O mercado de trabalho acaba sendo o principal condutor do nível de desigualdade, mas podemos ser otimistas ainda assim. Isso porque o mercado de trabalho teria que piorar significativamente em termos distributivos para contrapor as medidas de transferências de 2023. Então, provavelmente vamos observar uma nova redução.

A renda domiciliar per capita chegou a R$ 1.586 no ano passado, alta de 6,9% frente a 2021, quando havia registrado o menor valor (R$ 1.484) da série. Em 2022, 134,1 milhões de brasileiros receberam algum rendimento —seja de trabalho, programas de transferência de renda, rentabilidade ou aposentadoria —, o equivalente a 62% da população.

A melhora na renda teve relação com o aumento do Auxílio Brasil, cujo valor passou de R$ 400 para R$ 600 no segundo semestre de 2022, e com a entrada de 7,7 milhões de pessoas no mercado de trabalho após o baque da pandemia.

— A durabilidade dessas medidas é que teremos que observar em 2023. Inclusive se o Bolsa Família com valor maior vai continuar contribuindo para diminuir a desigualdade —comenta Alessandra.

Para Marcelo Neri, diretor da FGV Social, a queda da desigualdade é vista como uma boa notícia, já que o país passou por uma escalada depois da recessão. Ele também avalia que a desigualdade tende a cair por conta do Bolsa Família, cujo desenho tem bons instrumentos condicionantes, como a vacinação e a frequência escolar, permitindo efeitos de longo prazo na sociedade. Mas ressalta que o país ainda enfrenta um grande entrave: a inserção dos adultos que recebem o Bolsa Família no mercado de trabalho, algo que o programa está longe de dar conta:

— A inclusão produtiva das pessoas que recebem o benefício permanece como um grande desafio. Isso está em aberto, e não é tão simples de resolver.

Demanda reprimida

Duque, do Ibre/FGV, pondera que o percentual recorde de famílias recebendo Bolsa Família não é o ideal para a economia, mas avalia que o nível de pobreza no país é considerado alto, em relação a outros países desiguais, e havia uma demanda reprimida por transferência de recursos para os que mais precisam. O economista lembra que, entre 2016 e 2019, os níveis de transferência de renda do governo às famílias diminuíram em termos reais por causa da questão fiscal, fazendo com que houvesse, por consequência, um aumento da pobreza:

— É claro que o melhor dos mundos é a gente ter menos famílias recebendo transferência de renda. Mas isso não aconteceria agora, logo depois de uma pandemia. Precisa de um caminho correto ao longo de cinco a dez anos de políticas socioeconômicas.

O IBGE destaca que caiu de 15,4% para 1,5% a proporção de domicílios que receberam algum benefício de outros programas sociais, o que inclui o auxílio emergencial, entre 2021 e 2022. No mesmo período, a proporção de domicílios que receberam o Auxílio Brasil/Bolsa Família aumentou de 8,6% para 16,9%.

“Essas oscilações podem estar ligadas a migrações entre benefícios (quando fosse mais vantajoso) ou a eventuais dificuldades dos informantes em identificar corretamente qual benefício recebiam”, sinalizou o instituto.