O Globo, n. 32789, 16/05/2023. Brasil, p. 9

Ciência no vermelho

Bruno Alfano


Gabriella Freitas, de 29 anos, foi a melhor colocada para a seleção de doutorandos do Programa de Pós-Graduação em Ciências Morfológicas, da UFRJ, em 2019. Depois da alegria da aprovação, veio o primeiro corte de bolsas no governo Jair Bolsonaro, que paralisou os pagamentos e seus estudos por dois meses. No fim da gestão passada, em 2022, mais duas semanas sem pesquisar por falta de dinheiro. Após muitos atropelos financeiros, a pesquisa sobre um vírus que combate a forma mais agressiva de câncer no cérebro será finalmente concluída este ano.

As desventuras em série de cientistas brasileiros nos últimos anos tiveram impacto na produtividade das universidades. O ranking da edição de 2023 do Center for World University Rankings (CWUR) mostra que 29 instituições de ensino superior do país sofreram queda na avaliação anual, que desta vez analisou o desempenho de 20.531 universidades em todo o mundo.

Este ano, de acordo com a própria publicação, uma das mais prestigiadas no meio acadêmico, o principal fator de declínio das instituições brasileiras na classificação geral foi o mau desempenho em pesquisa. As fragilidades do Brasil sucumbiram à intensa competição global de universidades com forte financiamento para ciência e tecnologia.

As irregularidades no pagamento das bolsas impactam o resultado final mesmo de projetos de excelência como o de Gabriela, que podem largar na frente mas precisam de muita resiliência para chegar ao fim.

— Por conta dos cortes, não recebi uma bolsa adicional do CNPq para os primeiros colocados que é para ser gasto com reagentes e insumos e isso prejudica a pesquisa. Às vezes, sabemos o que fazer e como fazer, mas não temos como arcar com as despesas — diz a doutoranda, acrescentando que, nestas situações, só há duas alternativas:

— Ou buscamos colaboração ou desistimos de fazer.

Volta por cima é promessa

Presidente do CWUR, Nadim Mahassen explica que o Brasil precisa aumentar os investimentos no ensino superior se quiser se manter competitivo no futuro:

— Embora o Brasil esteja bem representado no ranking deste ano, as principais instituições do país estão sob pressão crescente de universidades bem financiadas em todo o mundo. O financiamento para promover ainda mais o desenvolvimento e a reputação do sistema de ensino superior do Brasil é vital se o país aspira ser mais competitivo no cenário global.

A perda de competitividade tem outro efeito colateral. A “fuga de cérebros” é uma realidade cada vez mais preocupante. O Brasil pode já ter perdido quase sete mil pesquisadores que tomaram a decisão drástica de procurar oportunidades no exterior, segundo estimativas do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos, vinculado ao Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação. Os profissionais ultraespecializados são atraídos por melhores condições de trabalho e maiores salários.

Embora sem um levantamento específico sobre o agravamento desse fenômeno, um estudo do ano passado do Observatório do conhecimento, em parceria com a Frente Parlamentar Mista da Educação, revelou que os recursos destinados à ciência e tecnologia sofreram sucessivos cortes num montante de R$ 100 bilhões, entre 2014 e 2020. A debandada de cientistas costuma ser proporcional à míngua dos recursos, uma vez que pesquisas inovadoras implicam grande investimento em mão de obra qualificada, em laboratórios e insumos.

Na última semana, o presidente Lula sancionou a liberação de R$ 4,18 bilhões para o orçamento do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), principal fundo de financiamento de pesquisas acadêmicas do país. A medida recuperou integralmente o caixa do fundo, que passa a dispor de R$ 9,96 bilhões para investimentos. No mês passado, o orçamento das universidades federais foi recuperado para 2023, assim como foram reajustadas as bolsas de mestrado e doutorado após longos nove anos de congelamento —passaram de R$ 1,5 mil para R$ 2,1 mil e de R$ 2,2 mil para R$ 3,1 mil, respectivamente.

— Mas a recomposição que estamos vendo não dá conta dos cortes dos últimos anos. O que aconteceu foi que interrompemos um ciclo de queda e voltamos ao patamar de investimento de 2019 — observa Mayra Goulart, Coordenadora do Observatório do Conhecimento, uma rede de associações, sindicatos de docentes de universidades e parceiros das instituições.

O Brasil tem 54 universidades entre as duas mil primeiras do CWUR. Enquanto 29 caíram na análise de desempenho (caindo 734 posições), apenas 23 tiveram uma discreta melhora em relação ao ano passado (subindo 229 posições). Em 2022, o Brasil tinha 56 universidades entre as duas mil melhores. O IFRS (Instituto Federal do Rio Grande do Sul) e a UFMA (Universidade Federal do Maranhão) caíram até ficarem fora das 2.000 do que hoje estão no topo.

A Universidade de São Paulo, a melhor qualificada do Brasil e da América Latina, caiu seis posições para o 109º lugar. Perdeu pontos em qualidade do ensino, empregabilidade e qualidade do corpo docente, mas, na contramão da maioria das outras, melhorou o desempenho em pesquisa.

Já a Universidade de Campinas (Unicamp) subiu duas posições e atingiu o 344ª lugar, enquanto a Universidade Federal do Rio de Janeiro caiu 15 posições, para a 376ª , ficando à frente da Universidade Estadual Paulista (424ª) e da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (467ª).

A CWUR classifica as universidades de todo o mundo de acordo com quatro fatores: qualidade da educação (25%), empregabilidade (25%), qualidade do corpo docente (10%) e desempenho em pesquisa (40%). A lista Global 2000 este ano reuniu instituições de 95 países.

Pelo décimo segundo ano consecutivo, Harvard é a melhor universidade do mundo. Ela é seguida por duas outras instituições privadas dos EUA, MIT e Stanford, enquanto as britânicas Cambridge e Oxford —classificadas em quarto e quinto lugar — são as principais instituições públicas de ensino superior do mundo. O restante do top ten global é de universidades privadas dos EUA: Princeton, Chicago, Columbia, Pensilvânia e Yale.

— Embora os resultados do estudo deste ano reafirmam que os Estados Unidos têm o melhor sistema de ensino superior do mundo, 80% das universidades americanas caíram na classificação devido à intensificação da competição, particularmente com instituições da China. Com as instituições chinesas desafiando as ocidentais, as universidades americanas e europeias não podem se dar ao luxo de descansar sobre os louros —afirmou Mahassen.