Título: Além do Fato: A ilegalidade da greve
Autor: Francesco Conte
Fonte: Jornal do Brasil, 02/07/2005, Rio, p. A15

A Constituição da República, em seu art. 37, VII, estabeleceu o direito de greve aos servidores públicos, fazendo, no entanto, importante ressalva ao prever que ¿o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica¿. Informado pelo princípio da indisponibilidade do interesse público e pelas características que particularizam o serviço público, especialmente sua essencialidade, entendeu por bem o constituinte de 1988 limitar o exercício do direito de greve, condicionando-o à edição de lei específica. O Supremo Tribunal Federal já consagrou o entendimento de que o art. 37, VII, da Carta Federal, é norma que está entre aquelas que carecem de suficiente normatividade para a sua aplicação, e, como decorrência, impossibilitado se encontra o exercício do direito de greve até que sobrevenha a edição da lei específica .

A jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro vem perfilhando a mesma linha de entendimento, conforme se pode constatar de decisão proferida no ano de 2004 pela Segunda Câmara Cível, pela qual foi considerada ilegítima a greve iniciada por servidores da área de segurança pública, por se tratar de atividade essencial que não poderia ser paralisada, sob pena de perigo de dano para toda a coletividade.

A Justiça do Estado de Minas Gerais, por seu turno, em importante precedente, já decidiu pela suspensão de movimento grevista dos policiais militares, em prol da segurança e da ordem públicas e visando a impedir o descumprimento de deveres e obrigações constitucionais essenciais ao Estado Democrático de Direito.

Mas a ressalva estabelecida pela Constituição Federal impôs mais do que esta delimitação meramente formal ao exercício do direito de greve. Consagrou ainda a condicionante de que o exercício do direito de greve, por servidores públicos, não pode se dar de maneira absoluta, ¿irrestrita, irrefreada, irresponsável¿. O exercício do direito de greve dos servidores públicos não pode importar no sacrifício dos direitos subjetivos dos administrados.

Com efeito, a prestação de serviços públicos de forma adequada constitui interesse difuso da cidadania, de modo que ao Estado compete, observando a disponibilidade de recursos, garantir o oferecimento desses serviços com os caracteres que a sociedade legalmente lhe impôs.

Os reclames, muitas vezes legítimos e justos, de categorias do serviço público por aumentos remuneratórios e melhorias nas condições de trabalho, confrontam com a Constituição Federal e o seu sistema de princípios quando instrumentalizados através da greve e da paralisação de serviços públicos essenciais.

A garantia da continuidade da prestação dos serviços públicos é princípio que, no embate com interesses corporativos, deve prevalecer, sobretudo quando estiverem em jogo serviços públicos de áreas essenciais e prioritárias, como, por exemplo, administração da Justiça, segurança pública, saúde e educação, porquanto as necessidades essenciais da população não entram em greve, não paralisam, não deixam de existir.

A garantia de prestação do serviço ao cidadão é a própria razão de ser e de existência do Estado. Contra este interesse supremo não se sobrepõe o direito de greve no serviço público.