O Globo, n. 32790, 17/05/2023. Economia, p. 11

Mudança na Petrobras

Bruno Rosa
Renan Monteiro


Após meses de especulação, a Petrobras anunciou ontem sua nova política de preços de combustíveis, aprovada pela diretoria na véspera. Segundo a estatal, a nova estratégia comercial não refletirá apenas a cotação internacional do petróleo e do dólar, como era desde 2016, no governo de Michel Temer (MDB), com a chamada PPI (paridade de importação). A empresa agora vai levar em conta uma série de parâmetros, mas não apresentou o peso de cada um nem uma fórmula. Também não definiu periodicidade para correção dos preços.

A empresa, que responde por 80% da produção de combustíveis e 90% da de petróleo no país, indicou que vai buscar o preço mais baixo para o consumidor e disputar mercado com concorrentes. Também ontem, anunciou a primeira redução de preços com base nesta nova política. A partir de hoje, gasolina, diesel e GLP (gás de cozinha) estão mais baratos em suas refinarias.

Na Bolsa, a reação dos investidores foi positiva, com as ações da estatal fechando em alta (leia na página 12), mas especialistas apontam que o novo modelo eleva o risco de interferência do governo nos preços dos combustíveis e pode afetar a atividade de importadores e concorrentes privados, que têm como referência as cotações internacionais.

Em comunicado divulgado ontem, a Petrobras decretou o fim da “subordinação obrigatória ao preço de paridade de importação” e disse que manterá “o alinhamento aos preços competitivos por polo de venda”. Na prática, poderá praticar preços diferentes nas áreas de influência de suas refinarias, considerando custos locais.

Segundo a Petrobras, a nova política de preços vai refletir custos internos de produção, que consideram capacidade de refino e logística, por exemplo, além dos diferentes tipos de petróleo produzidos no país. Os preços de importação e exportação de petróleo e derivados também entrarão no cálculo, mas como referência apenas para a parcela que é importada, já que a companhia não produz no Brasil o suficiente para atender a toda a demanda. Haverá uma espécie de personalização do preço, baseado no chamado “custo alternativo do cliente”. Na prática, se houver preço menor na concorrência, a Petrobras vai avaliar a redução de seus valores para manter a competitividade dos seus produtos.

Sensação de  ‘Déjà-vu’

A partir de hoje, a gasolina passa de R$ 3,18 para R$ 2,78 por litro, redução de 12,6%, em média, nas refinarias. É a terceira queda neste ano da gasolina, agora no menor patamar desde agosto de 2021. Segundo a estatal, mantidas as margens de distribuidores e revendedores, o preço médio no posto pode ficar em R$ 5,20.

No caso do diesel, a queda é de 12,7%, de R$ 3,46 para R$ 3,02 por litro, o menor desde julho de 2021. É a quinta redução neste ano. O preço médio nas bombas deve ficar em R$ 5,18 por litro de diesel S10. A estatal também cortou o preço do GLP em 21,3%, de R$ 3,23 para R$ 2,54 por quilo. O preço médio ao consumidor deve ficar em R$ 99,87 para o botijão de gás de 13kg, incluindo as parcelas de intermediários, nas estimativas da Petrobras.

Segundo a estatal, a redução tem “como objetivos principais a manutenção da competitividade” e “a participação de mercado necessária” à rentabilidade de suas refinarias “em equilíbrio com os mercados nacional e internacional”.

Especialistas concordam que o ambiente atual é favorável à redução de preços de combustíveis, já que a cotação internacional do petróleo caiu para o patamar de US$ 75 por barril, e o real passa por uma valorização diante do dólar, negociado abaixo dos R$ 5. Problemas podem surgir quando a conjuntura estiver no sentido contrário.

Segundo Marcelo de Assis, diretor da área de Exploração e Produção da consultoria Wood Mackenzie, há o risco de o Brasil repetir erros como os do governo de Dilma Rousseff (PT), quando a Petrobras teve prejuízos bilionários em vez de repassar para os preços a alta nas cotações do petróleo e do dólar, numa tentativa frustrada de controlar a inflação.

— Assumindo que a paridade foi abolida e que a Petrobras diz que vai evitar repassar a volatilidade de preços, existe o risco de voltarmos ao passado, quando custos eram absorvidos pela empresa e, no final, pelo contribuinte brasileiro —diz Assis. —Seguimos num ambiente volátil, com mudanças bruscas na cotação do petróleo e no câmbio, que podem pôr à prova a nova política. Infelizmente, sob certos aspectos, estamos num déjà-vu. Na última vez, não terminou bem.

Amance Boutin, especialista em combustíveis da Argus, também vê risco político:

— Ao multiplicar critérios e acrescentar fatores inerentes à operação da Petrobras na definição do preço, abre-se espaço que pode justificar manter inalterado ou até reduzir o preço num momento em que cotações internacionais sobem.

Prates nega intervenção

O presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, negou que as mudanças representem maior intervenção do governo na estatal e afirmou que a rentabilidade da economia está assegurada. O executivo argumentou que a nova política “recupera” a liberdade da empresa para “fazer preços”. Prates destacou a queda do preço do botijão de gás, que pesa mais no orçamento das famílias mais pobres, abaixo dos R$ 100 pela primeira vez desde outubro de 2021. Ele lembrou que a mudança no cálculo dos preços da Petrobras foi uma promessa de campanha do presidente Lula:

— Não há intervenção. É uma vontade política que foi eleita — disse Prates ontem, em encontro com o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, em Brasília. —É um modelo em que a Petrobras vai ter o melhor preço para seu cliente, como qualquer empresa. Aproveitamos ativos brasileiros em favor dos brasileiros. Nós nos “alforriamos” de um único fator, que é a paridade internacional.

Em um vídeo nas redes sociais, Lula se disse “feliz” com o cumprimento da promessa de “abrasileirar” os preços dos combustíveis. Silveira definiu a nova estratégia como “política nacional de competitividade interna”, tendo a Petrobras como “indutora” do crescimento nacional, com visão social. Ele classificou de contradição aplicar a paridade internacional a 100% dos preços de gasolina e diesel, já que a estatal produz no país a maior parte do que vende. Para o ministro, o corte de preços hoje reduzirá pressões inflacionárias e favorecerá eventual redução dos juros pelo Banco Central.