Correio Braziliense, n. 21491, 18/01/2022. Política, p. 4

Fake news e preconceito

Ingrid Soares
Cristiane Noberto


Temendo perder o apoio dos evangélicos, importantes na eleição, em 2018, e fundamentais para a reeleição, o presidente Jair Bolsonaro (PL) reforçou que é o candidato deste segmento religioso. Ontem, ele defendeu a família tradicional, voltou a tecer comentários homofóbicos e responsabilizou a esquerda por querer chegar ao poder “destruindo valores familiares” e “atacando diretamente no coração dos cristãos do Brasil”. Bolsonaro ainda insinuou que pessoas LGBTQIA+ vão para o “inferno”.

“Ninguém é contra duas pessoas conviverem no seu canto e ‘vá ser feliz’ (sic). Cada um faz o que bem entender da sua vida e quem acredita vai ver depois como se entende lá na frente, quando deixar esta terra. A gente não entra nessa seara”, disse.

Para o presidente, a oposição que faz à pauta gay o “potencializou” no país, mas emendou que “não é fácil lutar contra num governo de esquerda”. Segundo Bolsonaro, a família é “sagrada” e “todas as pessoas existentes no mundo vieram de um homem e de uma mulher”, conforme disse, em entrevista a uma rádio.

“A família é sagrada, não se discute isso. Todas as pessoas que estão aqui na Terra vieram de um homem e de uma mulher. Se bem que, hoje em dia, já tem a pessoa da inseminação artificial. Mas vieram, no fundo, de um homem e de uma mulher. Isso tem que ser respeitado, nos ajuda a viver em harmonia e em paz. Nos ajuda a ter um prazer com o futuro dos nossos filhos. E é isso que a esquerda sempre quis destruir”, atacou.

“Nosso ministro”

Na última pesquisa Genial/Quaest, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) aparece tecnicamente empatado com Bolsonaro na disputa do voto evangélico — 35% contra 34% do presidente, que ainda se orgulhou do retrocesso, em sua gestão, das pautas LGBTQIA — “tiveram ré muito forte”, jactou-se.

Bolsonaro disse ser positivo que pautas que classifica como de “ideologia de gênero” estejam nas mãos do novo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) André Mendonça — escolhido pelo presidente para a Corte por ter um perfil “terrivelmente evangélico”.

“Como Deus escreve certo as coisas, às vezes por linhas tortas. As pautas que têm a ver com ideologia de gênero, sabe quem vai decidir por sorteio? André Mendonça”, alegrou-se.

Outra agenda à qual seus apoiadores evangélicos se opõem, a legalização dos jogos de azar, não deve prosperar com Bolsonaro. Para ele, a instalação dos cassinos vai contra os “valores cristãos e familiares”. Já o Centrão, que dá estabilidade à base do governo, defende a aprovação da abertura dos cassinos. O presidente adiantou que, caso o projeto de lei seja aprovado, vai vetá-lo e sentenciou que “os jogos de azar não são bem-vindos”.

De acordo com Paulo Loiola, analista da consultoria política Baselab, a radicalização do discurso de Bolsonaro visa tirar a atenção de outros temas importantes. “O discurso ativa nesse público (evangélico) um medo de que se destrua o que, no imaginário deles, constitui uma família”, afirmou.

Mas, para o cientista político Leonardo Leite, é importante destacar que o público evangélico é vasto e pulverizado. Ele lembra que há fieis em comunidades pobres e extremamente dependentes de políticas de Estado. “Essas pessoas mais carentes querem políticas públicas. Existe dentro do mundo evangélico uma mentalidade também mais progressista. É aí que se insere Lula e o legado do PT”, salientou.