O Estado de S. Paulo, n. 46628, 16/06/2021. Política, p. A8

Itamaraty escondeu dados de e-mails sobre cloroquina

Julia Affonso


O Ministério das Relações Exteriores escondeu datas, horários e informações de e-mails e telegramas que mostram tratativas do governo brasileiro na negociação por cloroquina. As mensagens foram solicitadas via Lei de Acesso à Informação (LAI) pela agência Fiquem Sabendo, mas tiveram os dados omitidos. Negar fornecer informações públicas fere a legislação. Além da falta funcional, o agente público pode responder por crime de responsabilidade e por improbidade administrativa.

Os e-mails originais, com a íntegra das informações, mostram a agilidade do governo Jair Bolsonaro para comprar cloroquina contra a covid-19, como revelou o Estadão ontem. Mensagens foram respondidas por integrantes do governo em 15 minutos, à noite e em fins de semana. O esforço pela cloroquina se contrapõe à postura do Executivo em relação às vacinas. No caso da Pfizer, o governo demorou mais de dois meses para responder aos contatos da empresa.

Os documentos estão em posse da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid, no Senado, que apura falhas e omissões de autoridades na pandemia. A agência Fiquem Sabendo havia solicitado a íntegra da troca de comunicação entre as embaixadas brasileiras, o governo indiano e as empresas interessadas na importação de cloroquina. Segundo a agência, os documentos originais não continham datas e horários das conversas e havia cortes nos e-mails.

A LAI prevê punição a quem oculta dados. Segundo o artigo 32 da legislação, “constituem condutas ilícitas que ensejam responsabilidade do agente público ou militar: I – recusar-se a fornecer informação requerida nos termos desta Lei, retardar deliberadamente o seu fornecimento ou fornecê-la intencionalmente de forma incorreta, incompleta ou imprecisa”. Na esfera administrativa, o agente que descumpre a lei pode ser alvo de advertência, multa e até perda do cargo público.

A série de 54 e-mails expõe a postura proativa do governo brasileiro para liberar cargas de matéria-prima da hidroxicloroquina a fabricantes no País. As mensagens foram enviadas pelo ministro-conselheiro da Embaixada

do Brasil na Índia, Elias Antônio de Luna e Almeida Santos, segundo na hierarquia. “Estamos acompanhando esta questão com muita atenção”, disse em um e-mail de 31 de março ao diretor de uma empresa fornecedora de hidroxicloroquina. Procurado, o Itamaraty não havia se manifestado até a conclusão desta edição.