O Estado de S. Paulo, n. 46625, 13/06/2021. Economia &
Negócios, p. B5
'Já vemos chance de o superávit primário voltar em 2024'
Entrevista: Jeferson
Bittencourt, secretário do Tesouro Nacional
Segundo o novo chefe do Tesouro, arrecadação cresce por conta da inflação, mas
também pelo avanço da economia
O
novo secretário do Tesouro Nacional, Jeferson Bittencourt, diz ao
Estadão/Broadcast que a melhora no quadro fiscal do País não é
"sorte". "Parte dos ganhos fiscais é porque o País está tendo
norte já faz algum tempo. Perder este norte seria
muito ruim", afirma. Nesse novo cenário, Bittencourt antecipa que pode ser
mais rápida a velocidade do ajuste fiscal para o reequilíbrio das contas do
governo, com o superávit primário (a diferença entre receitas e despesas, sem
contar os gastos com juros) retornando em 2024 – antes, a previsão era 2026.
Para este ano, o governo já vê a dívida bruta caindo a 84% do PIB, podendo
ficar até abaixo disso. A seguir, os principais trechos da entrevista.
• Qual é o sentimento do Tesouro em relação a esse
otimismo com as contas públicas?
A
gente não acha que é oriundo só de um fator negativo, que é a inflação. A
arrecadação está crescendo por fatores de inflação e crescimento. Mais ou menos
60% vêm do aumento de preços, uns 28% de ganho de crescimento econômico e uns
12% de outras mudanças, como mudanças legais. (Há) a melhoria das próprias
regras fiscais.
• Em que sentido?
Se
pensar que tivemos a mesma recuperação cíclica há uma década e meia atrás, por
que não se refletiu numa melhoria mais rápida da situação fiscal? Porque as
regras não induziam a isso. A arrecadação subia, a despesa subia atrás, desde
que mantivesse a meta. Agora, não acontece. Tem o efeito inflacionário, uma
recuperação cíclica que afeta o crescimento, gera mais arrecadação, e a despesa
não vai atrás por causa do teto (que limita o avanço das despesas à inflação).
• Em 2022, vai ter um crescimento maior do teto?
A
gente vê (especialistas dizendo) que o governo vai ter um espaço em 2022, pelo
descasamento da inflação, e isso vai dar condições de gastar mais. Não. O que o
governo vai gastar em 2022 é o que está contratado desde 2017, que é o que foi
gasto em 2016 corrigido pela inflação. O governo vai gastar o teto. A receita
pode crescer o que for, a inflação pode crescer o que for, mas a despesa só vai
ser executada até o limite do teto.
• Quanto a mais?
Hoje
a gente vê um ganho de despesa discricionária (que incluem investimentos e
custo da máquina pública) de R$ 25 bilhões.
• Esse é o espaço que o governo terá para apostar
nos programas, como investimentos ou Bolsa Família?
A
alocação vai depender das prioridades do governo. Se vai ser num programa
social, se vai ser investimento, aí as instâncias irão definir. Mas, sim, tem
espaço para isso.
• Não pode estar aí um excesso de otimismo e que
pode se reverter negativamente, já que o mundo político pode querer gastar?
Pode
ser o contrário. Acho que o que houve foi um excesso de pessimismo. Agora, a
gente está convergindo para o que deveria ser o natural. O Brasil precisa fazer
muito esforço ainda em termos de consolidação fiscal. Mas o que nós tínhamos de
situação bastante preocupante, que foi um crescimento muito rápido da
necessidade de emissão para fazer frente às despesas da pandemia, isso foi
absolutamente endereçado.
• Para quanto deve cair a relação entre dívida e
PIB?
Agora
a gente está com um número ao redor de 84%, mas esse número pode vir a cair
ainda mais.
• Essa melhora cíclica pode antecipar a volta do
superávit?
Hoje
já vemos uma chance de ter superávit primário em 2024 (a previsão anterior era
2026). Para isso, temos de fazer as coisas certas, andando no caminho certo.
•
O 'Estadão' publicou uma série de reportagens sobre o Orçamento secreto. Qual a
sua avaliação?
Não
acredito que exista Orçamento secreto ou paralelo. A gente não liberaria
recursos se o Orçamento fosse secreto, que não tivessem recursos no Orçamento
explícito.
•
O Orçamento foi aprovado com R$ 18,5 bilhões para emendas de relator, que
retiraram dinheiro de investimentos para colocar em ações que têm sido usadas
como moeda de troca política em ações bem difusas, como revelou o 'Estadão'.
Isso vai ocupar o espaço no Orçamento daqui para frente?
Quem
vai decidir a alocação desses locais prioritários é o Congresso. A alocação que
é feita dessas despesas vem da autoridade legitimada para fazer, que é o
Congresso. Do meu ponto de vista, haveria outras maneiras mais eficientes de
fazer essa alocação. Mas cabe a mim respeitar a estrutura institucional do Congresso,
que tem essa prerrogativa.
•
O sr. acredita que em agosto e setembro a pressão dos ministérios vai aumentar?
Eu
acho e espero que o momento mais tenso dessa relação seja setembro. Para mim, o
período mais tenso vai ser agora nos próximos meses e eu tenho conversado para
dizer: "olha, todo mundo precisa estar alinhado nesse momento". Eles
têm as demandas deles, são legítimas. Da nossa parte, cabe administrar esse
recurso escasso e liberar recursos para eles na medida das nossas disponibilidades.
• Muitos dizem que a Esplanada já vive uma
paralisação em muitas áreas. Procede?
A
Esplanada está funcionando. Não tem shutdown (paralisação da máquina pública).
Está todo mundo trabalhando com restrições severas. Sabíamos que seria um ano
muito difícil, mas a máquina está funcionando.