O Globo, n. 32793, 20/05/2023. Brasil, p. 9

PF indicia ex-presidente da Funai no caso Dom e Bruno

Eduardo Gonçalves
Daniel Biasetto


A Polícia Federal está reunindo documentos que reforçam a acusação de que houve omissão por parte do ex-presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Marcelo Xavier, que resultou no assassinato de indigenista brasileiro Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips, em junho do ano passado. O mesmo entendimento também poderá definir o desfecho do inquérito que apura a morte de Maxciel Pereira dos Santos, outro servidor da fundação morto. A investigação foi retomada no ano passado.

Maxciel foi executado com tiros em Tabatinga, no Amazonas, em 2019. Três anos depois, ninguém foi preso.

A PF entendeu que Xavier poderia ter agido para evitar o cenário de violência que dominou o Vale do Javari, no norte do Amazonas, onde ocorreu o crime. As investigações apontam que ele foi omisso ao não tomar providências voltadas para o reforço da segurança dos servidores da própria fundação, mesmo após a diretoria ter sido alertada de que eles vinham sofrendo ameaças de morte.

Suspeita de omissão

Marcelo Xavier, que é delegado da Polícia Federal, surge na investigação com uma imputação prevista na legislação. O dolo eventual significa que a pessoa não teve a intenção de matar, mas assumiu o risco do desfecho trágico por omissão. A pena prevista é de 6 a 20 anos de prisão. Também foi indiciado o então coordenador-geral de Monitoramento Territorial da Funai, Alcir Teixeira. Xavier não retornou os contatos do GLOBO, e Teixeira não foi localizado.

No indiciamento, os investigadores citam o assassinato de outro indigenista ocorrido na mesma região em 2019. Servidor da Funai, Maxciel Pereira dos Santos foi morto com dois tiros na cabeça em Tabatinga (AM). O assassinato dele nunca foi esclarecido pela polícia. Na ocasião, Xavier já tinha sido nomeado presidente da Funai pelo ex-presidente Jair Bolsonaro. Nomeado em julho de 2019, o ex-presidente da Funai foi exonerado em dezembro de 2022. Ele teria sido indicado pela bancada ruralista.

No documento da investigação, os agentes da PF destacam o fato de que houve uma comunicação oficial sobre o risco de vida que servidores do órgão estavam correndo. “Os ex-dirigentes tomaram conhecimento, em reunião da Funai, realizada no dia 09/10/2019, e por meio de outros documentos, sobre o risco de vida dos servidores do órgão e não tomaram as medidas necessárias” para protegê-los. O documento concluiu que, “desta forma, teriam assumido o risco do resultado de suas omissões, que culminou no duplo homicídio”.

Em outubro de 2019, Pereira foi demitido do cargo de coordenador-geral de Indígenas Isolados da Funai após coordenar uma operação que expulsou centenas de garimpeiros da terra indígena Ianomâmi, em Roraima. Não foi dada nenhuma justificativa para a exoneração dele.

Naquele mesmo mês, Alcir Teixeira foi a Atalaia do Norte (AM) tomar conhecimento sobre as ameaças relatadas já que o entreposto do Javari tinha sido alvo de dezenas de ataques a tiros.

Os indigenistas Bruno Pereira e Maxciel Santos chegaram a trabalhar juntos em ações de combate a crimes ambientais no Vale do Javari, que fica próximo à tríplice fronteira entre Brasil, Colômbia e Peru. A reserva abriga a maior concentração de indígenas isolados do país e vinha sendo pressionada por pescadores ilegais, garimpeiros e narcotraficantes.

Luta contra criminosos

Bruno e Dom desapareceram no Vale do Javari. A investigação concluiu que eles foram assassinados a tiros, esquartejados e depois tiveram os corpos enterrados. Os restos mortais foram localizados pela polícia com a ajuda de indígenas. Bruno enfrentava o avanço da pesca ilegal na região e Dom o acompanhava na missão.

Em janeiro deste ano, a PF concluiu que o crime foi encomendado por Rubens Villar Coelho, conhecido como Colômbia. Preso desde dezembro acusado de ser o mandante, o suspeito já responde a processo na Justiça Federal por liderar pesca ilegal no Vale do Javari.

— Não tenho dúvida que o mandante foi o Colômbia. Temos provas que ele fornecia as munições para o Jefferson e o Amarildo, as mesmas encontradas nas investigações. Ele pagou o advogado inicial de defesa do Amarildo — disse o superintendente da Polícia Federal no Amazonas, Alexandre Fontes, na ocasião, se referindo aos outros três suspeitos presos por terem executado o indigenista e o jornalista.