O Estado de S. Paulo, n. 46624, 12/06/2021. Metrópole, p. A20

O caso brasileiro e os EUA

Fernando Reinach


Faz semanas o Center for Disease Control (CDC), anunciou que nos EUA pessoas completamente vacinadas (que tomaram duas doses das vacinas da Pfizer, Moderna, ou uma dose da Janssen) não precisavam mais usar máscaras. Essa recomendação não foi estendida às pessoas já infectadas pelo Sarscov-2 mas não vacinadas. O CDC também publicou as razões científicas para sua recomendação. Bolsonaro, com a irresponsabilidade que caracteriza sua gestão, anunciou que o mesmo poderia ser aplicado ao Brasil, mas incluiu os já infectados entre os liberados do uso da máscara.

Vou tentar explicar as razões científicas para a decisão do CDC e como ela não se aplica ao Brasil. As máscaras basicamente formam um filtro que separa o interior do nosso sistema respiratório (boca, nariz, pulmões) do mundo exterior. Elas bloqueiam parcialmente a entrada no nosso corpo e impedem o vírus, caso presente em nosso sistema respiratório, de sair pela boca e nariz e contaminar outras pessoas. Seu uso tem duas funções: se você não está infectado, reduz as chances de você se infectar; e, caso você esteja infectado, reduz as chances de você infectar outras pessoas. É fácil de entender que, se você tem certeza de que caso o vírus entre no seu corpo ele não vai infectar suas células, se reproduzir e infectar outras pessoas, você não precisa usar máscara. O problema é que existem muito poucas situações em que essa certeza existe.

Vamos começar pelas pessoas que não foram infectadas nem vacinadas. Essas pessoas podem se infectar e podem infectar outras pessoas. Para elas, as máscaras são indispensáveis.

Agora vamos para as pessoas que já foram infectadas e ainda não foram vacinadas. Esse grupo de pessoas é muito heterogêneo, inclui desde pessoas que tiveram casos assintomáticos, passando por casos leves, moderados, graves, e muito graves. É bem sabido que uma infecção sintomática pelo vírus

Sars-cov-2 diminui as chances de a pessoa ter novamente covid. A eficácia de uma infecção em proteger a pessoa de um novo episódio é de ~90%. Mas isso não quer dizer que essas pessoas não possam ser infectadas novamente e transmitir a doença a outras pessoas. A segunda infecção pode ser mais forte, mas geralmente é mais branda. Essas pessoas já estão parcialmente protegidas, mas ainda podem se contaminar e transmitir a doença, mesmo sem apresentar sintomas. É por esse motivo que pessoas já infectadas e ainda não vacinadas precisam continuar a usar máscaras: para se proteger de uma reinfecção e para evitar que contaminem outras pessoas enquanto o vírus estiver circulando. Esse é um fato científico, não uma opinião.

Vamos passar agora às pessoas totalmente vacinadas. As vacinas em uso protegem contra o aparecimento de casos sintomáticos e contra o agravamento da covid, algumas com uma eficácia baixa (~50%), outras com uma eficácia alta (~95%). Até alguns meses atrás não se acreditava que alguma vacina pudesse evitar que as pessoas fossem infectadas pelo vírus. Ou seja, pessoas vacinadas ainda podem vir a ter o vírus na garganta, mas em quantidade suficientemente baixa para causar poucos sintomas, mas suficiente para infectar outras pessoas. Essas pessoas devem continuar a usar máscaras.

Mas, se esse é o caso, como o CDC está recomendando que as pessoas totalmente vacinadas deixem de usar máscara nos EUA? Foi porque estudos em Israel e nos EUA demonstraram que as duas vacinas baseadas na tecnologia de MRNA (Moderna e Pfizer) não somente impedem o aparecimento de casos sintomáticos, mas evitam também o aparecimento de casos assintomáticos. Essas duas vacinas aparentemente caem na categoria das chamadas vacinas esterilizantes. E vacinas esterilizantes são tão poderosas que impedem que o vírus, ao chegar à garganta ou ao pulmão de uma pessoa vacinada, se instale e reproduza. Ou seja, pessoas vacinadas com essas duas vacinas não são capazes de transmitir o vírus e nem podem ser infectadas – deixam de fazer parte da população em que o vírus consegue se propagar.

Como os EUA já vacinaram uma grande parte da população e praticamente só usam vacinas da Pfizer e Moderna, o CDC acredita que essas pessoas deixaram de ser um risco para a comunidade. E podem deixar de usar máscaras em ambientes em que o vírus está presente (mas lembre-se de que, mesmo o CDC, sugere o uso em transportes públicos e ambientes fechados). A razão de essas vacinas produzirem uma imunidade esterilizante está na grande quantidade de anticorpos neutralizantes que elas induzem nos vacinados. Outras vacinas não conseguem isso.

No Brasil temos utilizado a Coronavac e a vacina da Astrazeneca que se acredita serem incapazes de produzir uma imunidade esterilizante. Recentemente começamos a dispor da Pfizer, mas praticamente não existem pessoas que receberam as duas doses dessa vacina no Brasil. Por esse motivo, as razões que levaram o CDC a liberar os americanos de utilizar máscara não se aplicam ao Brasil. Independentemente do que diz Bolsonaro, não devemos deixar de usar máscaras.

É Biólogo, Phd em Biologia Celular e Molecular Pela Cornell University e autor de A chegada do novo coronavírus no Brasil; Folha de Lótus, Escorregador de mosquito; e A longa marcha dos grilos canibais