O Estado de S. Paulo, n. 46623, 11/06/2021. Política, p. A4

Análise: Telefonemas e mensagens prometem atiçar comissão

Mário Scheffer


Na história das CPIs, o que mais se vê são relatórios finais inconsequentes, matizados pela natureza de uma comissão que investiga, mas não pode julgar nem punir ninguém. Algumas nada concluíram, como foi a CPI do Futebol do Senado. Outras foram quase anedóticas, como a CPI do Incra e da Funai, da Câmara dos Deputados. Ditada pelo agronegócio, essa investigou povos indígenas “favorecidos” pela demarcação de terras.

No melhor dos desfechos, uma comissão parlamentar provocará o Ministério Público e a Polícia Federal, como fez a CPI de Brumadinho, do Senado, que em 2019 propôs indiciar mais de vinte pessoas por homicídio doloso, lesão corporal e poluição ambiental.

A rede de arrasto da CPI da Covid quer no final alcançar o peixe grande, mas pelo caminho estarão as águas turvas da Câmara, sem ambiente para impeachment, e da PGR, pouco disposta em avançar na investigação ou em oferecer denúncia ao STF.

Diante dessas advertências, as quebras de sigilo aprovadas pela CPI nesta quinta-feira parecem, em sua maioria, direcionadas a dois propósitos. Ajudam a compor a tese de um gabinete paralelo comandado por Bolsonaro à revelia da ciência, da saúde pública e das instâncias do SUS. E fecham o cerco a quem poderá, individualmente, irromper no relatório final, na condição de potenciais indiciados, emuladores do Presidente em oposição à vacina e ao confinamento, em defesa da cloroquina, da imunidade de rebanho e da recontagem, para menos, dos mortos.

Conteúdos de telefonemas e trocas de mensagens prometem atiçar a CPI que arrisca entrar em parafuso, agora que governadores e especialistas estreiam nas sessões em saber qual é o filme em cartaz.

Professor da Faculdade de Medicina da USP