O Estado de S. Paulo, n. 46621, 09/06/2021. Política, p. A8

Barros: ‘uma hora as decisões judiciais não serão mais cumpridas’

Lorenna Rodrigues
Vinícius Valfré


O líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (Progressistas-pr), criticou o Poder Judiciário e lançou ameaças de descumprimento de decisões judiciais ao reclamar do que classifica como avanços da Justiça sobre prerrogativas do Executivo. Para o parlamentar, o cenário de atritos entre os dois Poderes fará “chegar a hora” em que as ordens judiciais “simplesmente” vão deixar de ser cumpridas. As declarações foram feitas durante um debate sobre a reforma tributária, ontem, em Brasília.

Ao comentar a determinação do STF para que o governo realize o Censo Demográfico em 2022, o parlamentar reclamou de decisões que não têm “nenhum fundamento”. “O Judiciário vai ter que se acomodar nesse avançar nas prerrogativas do Executivo e Legislativo. Vai chegar uma hora em que vamos dizer (para o Judiciário) que simplesmente não vamos cumprir mais. Vocês cuidam dos seus que eu cuido do nosso, não dá mais simplesmente para cumprir as decisões porque elas não têm nenhum fundamento, nenhum sentido, nenhum senso prático”, disse, em evento organizado pelo jornal Correio Braziliense e pela Confederação Nacional da Indústria (CNI).

O tom foi interpretado como ameaçador no meio jurídico. O presidente do Supremo, ministro Luiz Fux, reagiu. “O respeito a decisões judiciais é pressuposto do estado democrático de direito”, disse.

Além de ampliar a tensão na Praça dos Três Poderes, a possibilidade de descumprimento de medidas judiciais pode acarretar prejuízos políticos e penais aos integrantes do governo ou do Congresso que se dispuserem a não acatar decisões.

É que, para especialistas, um descumprimento deliberado, no âmbito do governo federal, pode ser enquadrado como crime de responsabilidade, o que ensejaria um processo de impeachment. “Caso haja um descumprimento expresso por parte do presidente ou ministro de Estado, qualquer cidadão pode peticionar na Câmara para a abertura de processo por crime de responsabilidade”, disse Vladimir Feijó, professor de Direito Constitucional da Faculdade Arnaldo. Outra possível consequência é a abertura de investigação penal pelo crime de desobediência.

Para o procurador de Justiça em São Paulo e presidente do Instituto Não Aceito Corrupção, Roberto Livianu, a ameaça de Barros é preocupante. “Ele fala de uma sociedade em que não se cumpre decisão da Justiça. Isso é um princípio fulcral da nossa Constituição, o da separação dos Poderes. Tem que ser cumprida. É um pacto social que foi estabelecido há séculos.”

Embate

“Não dá mais para cumprir as decisões porque elas não têm nenhum fundamento.”

Ricardo Barros (PP-PR)

Líder do Governo na Câmara

“O respeito a decisões é pressuposto do estado democrático de direito.”

Luiz Fux

Presidente do Supremo