O Estado de S. Paulo, n. 46621, 09/06/2021. Política, p. A8

TCU vai apurar conduta de servidor

Lauriberto Pompeu


O Tribunal de Contas da União (TCU) vai abrir uma investigação interna para avaliar a conduta de um servidor que produziu um documento sobre mortes na pandemia do novo coronavírus. O levantamento não oficial foi feito pelo auditor Alexandre Figueiredo Costa Silva, que teria inserido a informação no sistema sem que constasse de qualquer processo do órgão.

Esse documento foi citado pelo presidente Jair Bolsonaro como forma de comprovar sua tese de que cerca de metade das mortes registradas como covid-19 não seria causada pela doença.

O tribunal deve decidir hoje pelo afastamento cautelar de Costa Silva por um prazo de 60 dias. Conforme apurou o Estadão, o servidor tem relações de amizade com filhos de Bolsonaro.

O corregedor do TCU, ministro Bruno Dantas, afirmou que “os fatos são graves e será necessário aprofundamento para avaliar a sua real dimensão”. De acordo com Dantas, o auditor precisa ser punido caso confirmada a irregularidade. “Se ficar comprovado que o auditor utilizou o cargo para induzir uma linha de fiscalização orientada por convicções políticas, isso será punido exemplarmente.”

Em nota, o tribunal afirmou se tratar de uma “análise pessoal” do funcionário. “O documento refere-se a uma análise pessoal de um servidor do tribunal compartilhada para discussão e não consta de quaisquer processos oficiais desta Casa, seja como informações de suporte, relatório de auditoria ou manifestação do tribunal. Ressalta-se ainda que as questões veiculadas no referido documento não encontram respaldo em nenhuma fiscalização do TCU”, diz o comunicado.

Anteontem, ao conversar com apoiadores no Palácio da Alvorada, Bolsonaro atribuiu a informação sobre supernotificação de mortes ao próprio TCU, mas foi desmentido na sequência pela Corte. Em nota, o tribunal disse que não “há informações em relatórios do tribunal que apontem que ‘em torno de 50%’ dos óbitos por covid no ano passado não foram por covid, conforme afirmação do presidente Jair Bolsonaro”.

Ontem, Bolsonaro voltou ao assunto e admitiu que errou ao atribuir o dado ao TCU, mas insistiu que há “supernotificação”, sem apresentar qualquer prova. Ao tentar justificar a declaração dada no dia anterior, o presidente disse que o tribunal apontou risco de ocorrer supernotificação porque a Lei Complementar 173/2020, que definiu critérios para o dinheiro usado no combate à pandemia ser enviado aos Estados, leva em conta o número de mortes em cada unidade da federação. A conclusão de que metade dos óbitos não foi covid, segundo disse ontem o presidente, é do próprio governo federal, e não do tribunal de contas.

Redes. Mesmo com o desmentido, apoiadores de Bolsonaro, como o filho e deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) e a presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, Bia Kicis (PSL-DF), reproduziram a informação falsa nas redes sociais.

Alguns dos apoiadores do governo também reproduziram o relatório do servidor do TCU que aponta a “supernotificação” de mortes por covid para reforçar a narrativa do Planalto. Na nota de ontem, a corte de contas esclareceu que o levantamento não é oficial.

“O TCU reforça que não é o autor de documento que circula na imprensa e nas redes sociais intitulado ‘Da possível supernotificação de óbitos causados por Covid-19 no Brasil’”, diz trecho da nota. A reportagem não conseguiu contato com o auditor Alexandre Figueiredo Costa Silva.