O Estado de S. Paulo, n. 46621, 09/06/2021. Política, p. A4

Análise: CPI começa a girar em falso

Mário Scheffer


Ao tentar retornar a pontos de partida, a CPI começa a girar em falso. Justificado pelo relator da comissão como “inevitável”, após um primeiro depoimento “evasivo, repleto de omissões”, o retorno do ministro da Saúde não entregou o catálogo prometido de revelações.

Porta-voz de suas contradições, o ministro não recomenda hidroxicloroquina, mas decide por sua conta manter auxiliares promotores do tratamento precoce e demitir uma infectologista contrária a essa política. O que o faz aprovar a Copa América no Brasil e as aglomerações sem máscara do presidente da República? Talvez o fato de não ter “carta branca”, como afirmou, mas também pouco ajuda sua visão de que “o cuidado é individual e o benefício é coletivo”, ignorando que em saúde pública não é apenas o comportamento das pessoas, mas também os fatores sociais e o mau exemplo da política que determinam a exposição a riscos e o adoecimento da população.

Marcelo Queiroga não foi incomodado sobre isso, mas seguem sem respostas 76 requerimentos da CPI dirigidos ao Ministério da Saúde. São peças que poderão fazer falta no quebra-cabeça da responsabilização do governo federal.

Aceitar o papel de coadjuvante no presente e permitir a contaminação entre vacina e eleição no futuro pode ser um cálculo político. Enquanto a covid-19 mata à solta, o ministério da Saúde se tornou um espaço vazio de poder para controlar a pandemia, mas já produziu a pré-candidatura de Mandetta. Quem viver verá o que pretende Queiroga em 2022.

Redes apoiadoras de Bolsonaro e contrárias à CPI reclamam que senadores submetem testemunhas governistas a constrangimentos. Desagravada devia ser a Nação, tamanha é a embromação que se transmitiu mais uma vez à audiência.

Professor da Faculdade de Medicina da USP