O Estado de S. Paulo, n. 46621, 09/06/2021. Política, p. A4

Queiroga contraria defesa de tratamento precoce

Julia Affonso


Na contramão do que defende o presidente Jair Bolsonaro, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, afirmou ontem à CPI da Covid que medicamentos como cloroquina e hidroxicloroquina não têm eficácia comprovada contra o coronavírus. Em seu segundo depoimento à comissão, Queiroga mudou o discurso e, quando foi questionado sobre aglomerações promovidas por Bolsonaro, disse que não é “censor” do presidente da República.

Embora o ministro admita agora que medicamentos como cloroquina não têm eficácia comprovada no combate à covid-19, Bolsonaro ainda incentiva o uso dessas substâncias. Somente no ano passado, por exemplo, o Exército gastou R$ 1,14 milhão na produção de 3,2 milhões de comprimidos de cloroquina. A informação consta de documento entregue pelo Ministério da Defesa à CPI.

A última vez que a instituição solicitou a produção do medicamento foi em março de 2017, quando desembolsou R$ 43,4 mil para 259.470 compridos, quantidade suficiente para a demanda de 2018 e 2019. O remédio é recomendado para tratar doenças como malária, lúpus e artrite reumatoide.

O relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL), questionou o ministro sobre uma nota informativa publicada no site do Ministério da Saúde, no ano passado, orientando a prescrição de cloroquina. Queiroga respondeu que “a nota perdeu o objeto”, mas, mesmo assim, não vai retirá-la do site. “A nota não é protocolo, é informação de dose. Está no site porque faz parte da história”, disse.

O ministro mostrou contrariedade com perguntas sobre o medicamento. “Não tem eficácia comprovada, volto a repetir”, afirmou Queiroga, em depoimento de quase oito horas à CPI. “Se eu ficar na discussão do ano passado, não vou em frente.” Mesmo assim, disse que o tratamento precoce tem provocado “forte divisão na classe médica”.

Houve também perguntas sobre a dispensa da infectologista Luana Araújo. A médica foi anunciada para ocupar a Secretaria Extraordinária de Enfrentamento à Covid-19, no início de maio, e depois de dez dias acabou desconvidada.

Queiroga mudou a versão sobre a saída da médica. Em audiência na Câmara, no dia 26 de maio, ele havia sugerido que a nomeação não tinha sido efetivada por questões políticas. “É necessário que exista validação técnica e que exista também validação política para todos os cargos que pertencem ao núcleo de cargos de confiança do governo (...) Vivemos em um regime presidencialista”, disse Queiroga na ocasião.

À CPI, porém, o ministro afirmou que a “validação política” seria da classe médica, e não partidária. “Questão política não é questão político-partidária, é questão política da própria classe médica. Não é um nome que harmoniza”, argumentou ele, numa referência a Luana, que é defensora da ampla vacinação e contrária ao chamado tratamento precoce. Na semana passada, Luana disse à CPI não saber o motivo de não ter sido nomeada, mas afirmou que seu nome “não passaria pela Casa Civil”. Queiroga negou ter dado essa informação à médica.

Gabinete paralelo. Questionado sobre a existência de um “gabinete paralelo”, grupo de aconselhamento de Bolsonaro fora do Ministério da Saúde, Queiroga disse que nunca viu esse grupo e afirmou desconhecer sua atuação, apesar de ter sido confrontado com informações de um vídeo mostrando uma reunião no Palácio do Planalto, em setembro do ano passado, na qual o presidente e médicos admitem dúvidas sobre a eficácia de vacinas contra a covid e discutem medicamentos alternativos. / Colaborou Daniel Weterman