Título: Augusto Nunes
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 18/05/2005, País / Além do Fato, p. A3

O Partido Trabalhista Brasileiro, batizado em 15 de maio de 1945, nasceu sob o signo da esperteza. Irmão do Partido Social Democrático, nem parentes pareciam. Mas a junção de faces opostas permitia a contemplação do rosto do pai: Getúlio Vargas. O PSD era a face direita , desenhada pelas mãos conservadoras de industriais e fazendeiros. A face esquerda era o PTB, modelado pelo proletariado emergente e por tribos de deserdados agora órfãos do grande cacique. Imposta pelo DNA, a parceria funcionou exemplarmente. Em 1950, sem nunca desafinar, o PSD e o PTB conseguiram seguir partituras distintas, além de complicadas, que só se unificavam no desfecho da ópera da volta triunfal de Getúlio. Em 1955, provaram que haviam sobrevivido ao suicídio do pai.

Os irmãos coligados conduziram ao Palácio do Catete o pessedista mineiro Juscelino Kubitschek, candidato a presidente, e o vice João Goulart, petebista gaúcho. Atropelados por Jânio Quadros em 1960, seriam os maiores beneficiários da renúncia que resultou na posse de Jango. De novo, sobraçavam obastão de mando. A harmonia durou pouco: logo sobrevieram cotoveladas que os transformariam em irmãos desavindos. O golpe de 1964 encontrou-os em trincheiras antagônicas, prontos para disputar a sucessão presidencial que não houve. Então, o PTB já exibia cara de partido.

Tinha um rascunho de programa inspirado nas chamadas ¿reformas de base¿ endossadas pelo presidente João Goulart. Um discurso agressivamente nacionalista transformara a sigla no hasbitat perfeito para numerosos subgrupos da esquerda brasileira não-comunista.

Figurões petebistas ocupavam ministérios estratégicos. Sobretudo, comandavam o poderoso esquema sindical, manipulado com habilidade e sem escrúpulos por notórios ¿pelegos¿. O PTB se tornara, enfim, musculoso demais para conformar-se com o papel de coajuvante.

Virara protagonista, e assim seria tratado pelos novos donos do poder. Os castigos infligidos ao PTB foram bem mais ásperos que os reservados ao PSD. Ironicamente, os irmãos escalaram juntos o cadafalso erguido, em outubro de 1965, pelo ato institucional que dissolveu as siglas existentes. E juntos sentiram o baque da guilhotina do bipartidarismo.

Na terra arrasada, só póderiam florescer a Arena governista e o MDB escalado para o papel de oposição. Os mandarins do PSD não demoraram a entender-se com os quartéis. Os sobreviventes do PTB refugiaram-se na reserva destinadas a oposicionistas dispostos a respeitar fronteiras claramente demarcadas.

Em 1978, quando o ritmo da abertura política anunciou a iminente restauração do pluripartidarismo, os velhos partidos continuaram na tumba. Com uma única exceção: havia sinais de vida no jazigo do PTB. A exumação constatou que, em 1965, a cabeça não fora separada do pescoço, mas dividida em duas metades que sobreviveram em estado vegetativo. E a ressurreição se consumou.

As duas metades voltaram à vida já de olho no poder. Uma mostrava a face de Leonel Brizola, ex-governador gaúcho. Na outra se reconhecia a ex-deputada paulista Ivete Vargas. Com a ajuda do general Golbery do Couto e Silva, principal articulador do governo do general-presidente João Figueiredo, Ivete venceu a disputa judicial pela sigla ressuscitada. Ao ganhar a cara de Ivete, o PTBperdeu a alma.

Sem programa nem pudores, tem no deputado Roberto Jefferson sua mais perfeita tradução. O currículo do atual presidente se afina notavelmente com o perfil de um partido disposto a qualquer negócio para alojar-se em lucrativos gabinetes federais.

Jefferson comandou a "tropa de choque" de Fernando Collor com uma agilidade espantosa para quem pesava mais de 150 quilos. Uma cirurgia reduziu-lhe a silhueta, não o apetite pelo poder. Apoiou todos os governos seguintes. Hoje é Lula desde criancinha.

O PTB voltou do Além em forma de zumbi insaciável. Tem o chefe que merece.