Título: O 13 de maio para a polícia esquecer
Autor: Waleska Borges
Fonte: Jornal do Brasil, 13/05/2005, Rio, p. A15

Coincidência de datas - Lei Áurea e aniversário da PM - traz à tona levantamento que mostra dificuldade de promoção dos negros

Filho de uma família pobre de Magalhães Bastos, na Zona Oeste, o coronel Francisco Braz superou de quase tudo para chegar ao posto mais alto da Polícia Militar. Comandante-geral da corporação durante os nove meses do governo Benedita da Silva, em 2002, Braz orgulha-se de ser poliglota, mesmo tendo estudado sempre em colégios públicos. Explica-se: sempre foi autodidata, dividindo-se entre aulas de inglês, francês, espanhol e até japonês. Segundo negro a ocupar o cargo mais alto na PM - o primeiro foi o coronel Nazareth Cerqueira - Braz, que considera carinhoso o apelido de ''Negão'', é minoria em uma instituição que tem 60,8% de negros (a soma com o item ''pardos'') mas apenas 37,1% deles como oficiais superiores. Os números são de levantamento da Associação dos Militares Auxiliares e Especialistas do Rio (Amae), que também aponta que 62, 9% dos oficiais superiores da PM são brancos. Numa pesquisa feita pela Amae com 1.200 policiais entre os meses de janeiro e fevereiro, 39% dos entrevistados se declararam brancos, 54,9% pardos e 5,9% pretos. A corporação, que comemora hoje - no mesmo dia da libertação dos escravos - 196 anos, tem o efetivo de quase 38 mil policiais. Para o coronel Braz, que era o único negro de uma turma de 50 alunos quando ingressou na Escola de Formação de Oficiais, em 1968, a pesquisa da Amae é ''um microscópio da sociedade''. No entanto, o comandante não acredita que haja preconceito nas promoções.

- O acesso para a carreira de policial é feito através de concurso público. O funil se dá na entrada dos candidatos. Muitos negros não têm acesso a educação de qualidade - avalia Braz.

O coronel lembra ainda que as promoções na corporação respeitam critérios de antigüidade e merecimento. Braz, que diz ter sido nomeado comandante-geral ''por um acidente de percurso'', admite, no entanto, um preconceito velado na corporação.

- O preconceito não é explícito - diz o coronel de 1,86 de altura e 100 quilos logo depois de declarar: ''É até possível que tenha sido discriminado, mas fora da distância do meu braço'' brinca.

Braz acredita ter sofrido preconceito racial na sua passagem para inatividade. Ele pediu a reforma por perda de audição. O pedido ainda não foi concedido e Braz, há 38 anos na PM, está atualmente lotado na Diretoria Geral de Pessoal (DGP):

- Fui chamado de safado e acusado de estar dando golpe - lamenta Braz.

De acordo com a pesquisa da Amae, os postos de oficiais superiores (majores e coronéis) são ocupados 62,9% por brancos, 33,6% pardos e 3,5% por negros. Secretário Estadual de Direitos Humanos, o coronel Jorge da Silva, que considera-se pardo e negro, parte em defesa da PM.

- A Polícia Militar é mais democrática que as demais instituições na representação negra. O número de afro-descendentes é bem maior que na diplomacia brasileira, na Marinha, na Justiça Criminal e até no jornalismo - compara Silva.

Para Rosália Lemos, fundadora do Disque-Racismo, a PM é democrática no acesso à carreira e não na ascensão.

- Os oficiais precisam estudar, investir em cursos e os negros com maior deficiência financeira têm menos chances. Também sabemos que há promoções por indicações - comentou Rosália.

O tenente Melquisedec Nascimento, presidente da Amae, lembra que a promoção para o posto mais alto da PM é feita por merecimento.

- Neste caso, a promoção é avaliada por uma comissão de coronéis. Os critérios são subjetivos, portanto, ficam abertas diversas possibilidades - diz Melquisedec, que é neto de negra por parte de pai e de judia por parte de mãe.

Segundo Melquisedec, a pesquisa da Amae foi motivada após o coronel PM Romilton Correa ter sido acusado de racismo. Ele teria chamado um soldado de ''crioulo e ''macaco'' em dezembro do ano passado. O subordinado acabou preso administrativamente por 30 dias. O caso que estava sendo acompanhado pela Coordenadoria de Justiça dos Direitos do Negros e pela Secretaria de Direitos Humanos foi arquivado porque o policial que teria sido ofendido não apresentou testemunhas.

Há 29 anos na PM, o coronel Ubiratan de Oliveira, comandante de Policiamento de Áreas Especiais, conta que três dos 106 alunos que entraram com ele na Escola de Oficiais chegaram a comandantes - dois deles, negros.

- A promoção na PM acontece pelo trabalho do policial e não pela cor da pele. A pesquisa da Amae é tendenciosa e irresponsável - declarou Ubiratan que, apesar de ser negro, conta que foi registrado como pardo.

Segundo levantamentos da PM, nos 38 batalhões da PM há 10 comandantes negros e oito pardos, e de 16.177 policiais catalogados são oficiais superiores 429 brancos, 23 pretos e 113 pardos.