O Estado de S. Paulo, n. 46620, 08/06/2021. Política, p. A4

Moraes tira sigilo em caso dos atos antidemocráticos
Pepita Ortega
Rayssa Motta
Fausto Macedo


O ministro Alexandre de Moraes determinou a retirada do sigilo do inquérito no Supremo Tribunal Federal que apura a organização e o financiamento de atos antidemocráticos. A decisão do ministro foi tomada na sexta-feira passada, logo após a Procuradoria-geral da República pedir ao STF o arquivamento da investigação que atingiu parlamentares e apoiadores bolsonaristas.

Conforme jurisprudência da Corte, Moraes, relator do inquérito, terá de acolher a solicitação da Procuradoria, mas poderá pedir a abertura de novas investigações. Ontem, Moraes determinou também que a PGR esclareça o alcance do pedido para arquivar o inquérito.

Em relatório ao Ministério Público Federal, como mostrou o Estadão, a PF identificou que ao menos 1.045 acessos de contas “inautênticas” – páginas criadas ou usadas por meio de identidade desconhecida que foram derrubadas pelo Facebook há quase um ano – partiram de órgãos públicos como a Presidência da República, a Câmara, o Senado e o Comando da 1.ª Brigada de Artilharia Antiaérea do Exército. Investigadores detectaram assinantes de redes privadas das quais partiram 844 acessos, incluindo uma provedora ligada à primeira-dama Michelle Bolsonaro.

Entre os endereços ligados ao presidente Jair Bolsonaro está a casa da família na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio. Neste endereço e no Planalto, sede oficial do governo, a PF identificou acessos à conta de Instagram Bolsonaro News e ao perfil pessoal no Facebook de Tércio Arnaud Thomaz, assessor do presidente apontado como integrante do “gabinete do ódio”, revelado pelo Estadão. Na casa de Bolsonaro, os acessos foram feitos em novembro de 2018. Já na rede da Presidência, foram mais de 100 acessos só ao perfil Bolsonaro News entre novembro de 2018 e maio de 2019.

O relatório da PF foi produzido a partir de apuração da Atlantic Council – instituição que realiza análise independente de remoções do Facebook. No seu relatório, a Atlantic Council fala em postagens e descreve a Bolsonaro News como uma página que usa memes para atacar exaliados de Bolsonaro. “Tática do suposto gabinete do ódio”, afirma a consultoria.

“Esse comportamento persistiu durante a campanha de 2018 e continuou depois que Bolsonaro assumiu o cargo. Muitas dessas postagens foram publicadas durante o horário de trabalho, o que pode ser uma indicação de que Tércio Arnaud Thomaz estava postando neste site – que não está oficialmente conectado à Presidência – durante o horário oficial do gabinete”, diz trecho do relatório.

Segundo a PF, o Facebook apontou que a derrubada desta e de outras contas teve como base a seguinte tipologia da empresa: “operações executadas por um governo para atingir seus próprios cidadãos”. “Isso pode ser preocupante quando combinam técnicas enganosas com o poder de um Estado.”

A PF havia sugerido outras oito frentes de apuração. O Estadão apurou que Moraes vai analisar os autos e a manifestação da PGR para decidir sobre abertura de novos inquéritos contra parlamentares bolsonaristas. Os autos estavam na PGR desde 4 de janeiro. Nenhuma diligência foi realizada.

Embate. Para a PGR, a “mera abertura” da investigação sobre a organização de manifestações defendendo a volta da ditadura militar, intervenção das Forças Armadas e atacando instituições democráticas acabou tendo “significado de dissuasão” para os investigados.

Segundo o vice-procuradorgeral da República, Humberto Jacques de Medeiros, o inquérito “serviu para prevenir as consequências dos crimes que ensejaram sua instauração” e conseguiu “produzir frutos”. O viceprocurador-geral é braço direito do procurador-geral da República Augusto Aras, que já apontou “perda consumada e exaurida de oportunidades de investigação” neste caso.

No relatório apresentado ao STF em dezembro, a delegada da PF Denisse Dias Rosas Ribeiro defendeu a “justa causa” no aprofundamento da apuração, apontando a possibilidade de desmembramento do caso. Segundo ela, a “forte polarização ideológica” dificultou o andamento da investigação, que chegou a trabalhar com a quebra de sigilos de parlamentares.

O despacho assinado ontem por Moraes pede que a PGR informe, “de maneira direta e específica”, os seguintes pontos: quais medidas restritivas de direito pretende que sejam levantadas, uma vez que o órgão ministerial sugere a manutenção de diversas investigações nas Justiças Federal e Estadual, e qual a documentação pertinente que pretende que acompanhe a continuidade das investigações sugeridas para a Justiça Federal e para a Justiça Estadual.

CPI. Durante as investigações, a PF sugeriu a abertura de outro inquérito para apurar se bolsonaristas tentaram obstruir os trabalhos da CPI mista das Fake News. Mensagens obtidas pela PF apontam que membros de um grupo de Whatsapp batizado de “Conselheiros do TL” tentaram convencer a deputada Bia Kicis (PSL-SP) a “derrubar” a convocação de João Bernardo Barbosa para prestar depoimento na comissão. Apontado como sócio do blogueiro Allan dos Santos, dono do portal Terça Livre, Barbosa é descrito pela PF como a pessoa “que paga as contas de Allan”.

Procurada, Bia Kicis negou: “Só me perguntaram se ele teria que comparecer e eu disse que, se convocado, sim. Jamais me pediram para eu interferir e eu jamais o faria”. Os outros citados não foram localizados.