O Estado de S. Paulo, n. 46617, 05/06/2021. Política, p. A12
CPI aponta 53 e-mails da Pfizer sem resposta
Bruno Ribeiro
André Borges
O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) afirmou ontem, que, ao todo, a gestão Jair Bolsonaro deixou de responder 53 e-mails da farmacêutica Pfizer enviados para pedir um posicionamento sobre a compra de vacinas para a covid-19. Randolfe disse, em sua conta no Twitter, que a informação está sendo investigada pela CPI da Covid no Senado, da qual é vice-presidente.
Em uma sequência de mensagens, o senador afirmou que a “omissão na aquisição de vacinas da Pfizer acontecia ao mesmo tempo que o nosso Itamaraty pressionava a Índia para liberar cargas de hidroxicloroquina a uma empresa brasileira” e classificou a ação do Ministério das Relações Exteriores no caso como “advocacia administrativa” – patrocinar interesse privado por meio da administração pública, crime previsto no Código
Penal. “O último, datado de 2 de dezembro de 2020, é um email desesperador da Pfizer pedindo algum tipo de informação porque eles queriam fornecer vacinas ao Brasil”, escreveu o senador.
O presidente da Pfizer para a América Latina, Carlos Murillo, ex-presidente da empresa no Brasil, que esteve na CPI da Covid há duas semanas, havia informado aos senadores que entregaria toda a sequência cronológica de tentativas de negociação da farmacêutica com o governo federal no ano passado, enquanto a vacina era produzida. Durante o depoimento, ele citou nove tentativas de contato, que não tiveram resposta do governo federal – nem negativa nem positiva.
Na ocasião, o senador Omar Aziz (PSD-AM), presidente da comissão, chegou a dizer que ao menos mais 4 milhões de doses da vacina teriam chegado neste semestre caso um acordo tivesse sido fechado no momento em que a empresa fez a primeira oferta, em agosto do ano passado.
O Estadão procurou o Ministério da Saúde e o gabinete da Presidência para questioná-los sobre as informações publicadas por Randolfe, mas nenhum dos órgãos respondeu até a conclusão desta edição.
Reunião. Imagens divulgadas ontem pelo site Metrópoles, mostram o presidente Jair Bolsonaro participando, em setembro do ano passado, de uma reunião com médicos e demais integrantes do que os senadores que compõem a CPI da Covid classificam como “ministério paralelo”. Trata-se de um grupo extraoficial que aconselharia ações a serem tomadas pelo governo no combate à covid-19.
Ao longo de um mês de CPI, integrantes e ex-integrantes do governo Bolsonaro têm negado a existência dessa estrutura, revelada pelo ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta em seu depoimento. Mas, para Aziz, as imagens comprovam a atuação do chamado ministério paralelo. “Não se trata mais de falar que supostamente existe algo. Está comprovado. Esses ataques todos de Bolsonaro só demonstram o desespero do presidente”, disse Aziz à reportagem. “Por que você acha que o ministro (Eduardo) Pazuello disse, aquele dia, que um manda e outro obedece? Porque era assim, ele só executava ordens.”
O encontro com Bolsonaro teve a participação do ex-ministro da Cidadania Osmar Terra, que ficou conhecido como um dos principais defensores da cloroquina, medicação sem eficácia no tratamento da doença, e da tese da imunidade de rebanho – pela qual a imunização se daria de forma natural ao passo que a população fosse infectada. O próprio Terra chegou a pegar covid-19 e ficou uma semana na UTI.
Nas imagens da reunião que ocorreu em 8 de setembro, participantes fazem uma série de críticas e ressalvas à aplicação de vacinas. Osmar Terra é citado como um “guia intelectual” do grupo, com influência direta sobre as decisões do Ministério da Saúde.
Entre os participantes do encontro estão a imunologista Nise Yamaguchi, que prestou depoimento à CPI da Covid, em convite feito pela comissão. “Uma honra trabalhar com o senhor neste período” afirmou Nise, referindo-se a Osmar Terra.
Aos senadores, a médica negou a existência de um gabinete paralelo e disse que prestava apenas “aconselhamento” ao governo. Disse também que nunca esteve sozinha com o presidente Bolsonaro.
Os trechos divulgados pelo Metrópoles mostram ainda que Arthur Weintraub, irmão do exministro da Educação, Abraham Weintraub, intermediava os contatos entre o grupo e o Palácio do Planalto.
Pontos-Chave
Farmacêutica foi ignorada pelo governo
Wajngarten
Ao depor à CPI da Covid em maio, o ex-chefe da Secom Fabio Wajngarten disse que o governo ignorou contato da Pfizer para negociar a compra de vacinas.
Carta
Wajngarten disse que a Pfizer enviou carta com proposta ao governo em setembro do ano passado, e que, em novembro, ainda não havia recebido resposta.
Ofertas
À CPI, o presidente da Pfizer para a América Latina, Carlos Murillo, listou nove ofertas de vacinas feitas pela farmacêutica, e ignoradas pelo governo.