O Estado de S. Paulo, n. 46610, 29/05/2021. Política, p. A4

Governadores e vices rompem em 11 Estados

Adriana Ferraz


As fotos da posse, com governadores e vices unidos para quatro anos de mandato, já amarelaram em ao menos 11 Estados, onde a aliança vencedora nas urnas está rachada ou no mínimo estremecida. A pandemia do novo coronavírus, somada a posições opostas nas eleições municipais do ano passado, provocou rompimentos públicos, ameaças de impeachment e disputas internas por poder.

Em Santa Catarina, a vice Daniela Reinehr (sem partido) anunciou o “fim da dupla” por meio de uma carta de cinco páginas enviada ao governador Carlos Moisés (PSL) e tornada pública. “Vossa Excelência desfez a chapa tão logo sentiu-se eleito, colocando-se como único representante à frente do governo”, alegou, há quase um ano.

Desde então, Daniela já assumiu a gestão em duas oportunidades, após denúncias afastarem Moisés do cargo temporariamente. “Advogada, cristã, conservadora e patriota”, como ela mesmo se define nas redes, é também bolsonarista e possivelmente candidata a assumir o cargo em definitivo em 2022.

Mesmo sem anúncio oficial, o governador do Amazonas, Wilson Lima (PSC), e seu vice, Carlos Almeida Filho (sem partido), estão em lados opostos. Após notícias apontarem possível irregularidade na compra de respiradores para pacientes com covid-19, Filho declarou guerra a Lima e deixou o cargo de chefe da Casa Civil.

“Não me misturo com quem pratica o errado e é por isso que rompi com o líder que deu as costas à população. Desde então, fui sucessivamente perseguido e ridicularizado, tendo minha equipe de apoio exonerada com o objetivo de constranger minhas boas ações”, disse o vice, em nota pública de abril.

Ao Estadão, a gestão Lima classificou a relação com o vice como “inexistente desde maio de 2020, quando Filho abandonou não só o cargo para o qual foi eleito, como também a chefia da Casa Civil”. Apesar da tentativa de se descolar das ações do governo, Filho foi denunciado juntamente com Lima por suposto desvio de recursos na compra dos respiradores. O prejuízo teria sido de R$ 2 milhões.

No Estado vizinho, o vice-governador do Acre, Major Rocha (PSL), também faz as vezes de opositor. Mas, neste caso, o motivo do rompimento com Gladson Cameli (PP), em meados de 2020, não foi a pandemia, mas uma disputa interna de poder. Aliados do vice e da irmã dele, a deputada federal Mara Rocha (PSDB), perderam espaço na máquina estadual.

Rocha tinha autonomia para comandar os órgãos de segurança do Estado, mas, após resultados mal avaliados, perdeu a autoridade sobre as forças e também a proximidade com Cameli, que afirma ter tentado impedir o afastamento.

“Da minha parte, minha relação com Major Rocha é a melhor possível. Agora, quanto a dele, não posso dizer”, disse Cameli à reportagem. Criticado inclusive por aliados, Rocha diz ser perseguido. Ele não respondeu ao Estadão.

Professor de Ciência Política no Mackenzie, Rodrigo Prando ressaltou que alianças eleitorais nem sempre funcionam no dia a dia de um governo de quatro anos de validade. “Projetos pessoais, acordos locais e a atual polarização da política no cenário nacional interferem diretamente nessa relação. Usando um termo de Zygmunt Bauman (sociólogo polonês), a política é líquida, o que é apalavrado hoje não vale amanhã necessariamente.”

Polarização. Entre os eleitos em 2018, a chapa Antônio Denarium (PSL) e Frutuoso Lins (Rede), de Roraima, foi a que se desfez mais rápido. A relação entre o governador e o vice é institucional desde agosto de 2019 e por motivos essencialmente partidários. Denarium, como esperado, apoia o governo Jair Bolsonaro e foi até homenageado por ele; Frutuoso, por sua vez, fez críticas duras às ações federais ao longo da pandemia.

O vice, que já ameaçou renunciar ao posto, tem afirmado que o plano de governo aprovado nas urnas não tem sido respeitado. “É lamentável, mas nem sempre vamos agradar a todos”, disse Denarium, por meio de nota, à reportagem. Oficialmente, a gestão diz que a relação é pacífica e que cumpre as promessas de campanha.

A influência da gestão Bolsonaro no Rio foi ainda mais clara. Alvo de ataques do presidente, o governador eleito, Wilson Witzel (PSC), sofreu impeachment por desvios na pandemia e também por ter perdido seu potencial político diante de uma Assembleia Legislativa totalmente avessa a seus planos políticos – que incluíam a disputa do Planalto em 2022.

Atuando como uma espécie de “testemunha”, o vice e atual governador, Cláudio Castro (PL), participou de todo o processo de forma habilidosa, apesar da pouca liderança pública e da completa ausência de popularidade. Castro conseguiu realinhar o Palácio Guanabara ao governo federal e ainda montar uma base parlamentar a ponto de Witzel não receber sequer um voto favorável no processo de afastamento.