Correio Braziliense, n. 21477, 04/01/2022. Economia, p. 6

Teste para a independência do BC


Ao revisar de 2,1% para 1% a taxa de crescimento do PIB em 2022 no último Relatório Trimestral de Inflação (RTI), o Banco  Central (BC) admitiu que a inflação continuará “persistente e elevada”, reduziu de 2,2% para 1,1%  a previsão de crescimento do consumo das famílias e revisou de 0,5% para 3% a estimativa de queda nos investimentos.

Durante a apresentação do relatório, o presidente do BC, Roberto Campos Neto, adotou um discurso  mais duro contra a inflação, admitindo até uma recessão na tarefa de cumprir a meta “prioritária”  que é preservar o valor do real. “Os exemplos brasileiros mostram que você tem que colocar o país  em recessão para recuperar a credibilidade”, disse ele, durante a apresentação do RTI,  reconhecendo a necessidade de o BC continuar elevando os juros para conter as expectativas do mercado. “Tudo está muito relacionado em um país  como o Brasil com herança inflacionária recente. E entendemos que, para assegurar a inflação no  centro da meta, é muito bom avançar nesse processo de normalização e passar a mensagem de que  vamos seguir a meta. O processo vai se estender até quando as expectativas fiquem ancoradas”,  emendou.

Essa sinalização de Campos Neto, de acordo com analistas, pode confirmar a verdadeira in dependência do BC, que sempre evitou elevar muito os juros em anos eleitorais para não  atrapalhar a reeleição dos governos. Em fevereiro deste ano, por meio da sanção da Lei Complementar 179/2021, foi instaurada a autonomia do BC. Com isso, o presidente e os diretores da instituição passaram a ter mandatos fixos, que não coincidem com o  do presidente. Bem ou mal, as estimativas recentes para a inflação de 2023 começaram a cair, mas  as de 2022 foram mantidas em um sinal de que, mesmo com os juros em 11,50% no fim do ano, a meta  não será cumprida pela segunda vez consecutiva pelo atual governo.

“O BC vem mantendo o discurso de que a prioridade é a inflação, mas a aprovação da autonomia  pelo Congresso foi condicionada à preocupação com o duplo mandato ou seja, com a atividade  econômica, como fazem os bancos centrais dos países desenvolvidos. É provável que, durante  2022, a autoridade monetária seja pressionada pelos parlamentares e pelo governo a cumprir o combinado”, afirma Agostini, da Austin.

Ele reconhece que a aprovação da PEC dos Precatórios e do Orçamento de 2022, prevendo até  reajuste de policiais, é prova de que a preocupação com o fiscal, que ajudaria o BC no controle da  inflação, passou longe do Congresso e do Palácio do Planalto. “A moeda de troca para a aprovação da  autonomia foi esse duplo mandato. E o BC vai ter o desafio de equilibrar os dois pratos. Sabemos  que os congressistas e o governo não estão preocupados com a inflação e com o equilíbrio fiscal.  Eles estão focados em manter os mandatos e, para isso, precisam ampliar os gastos para aumentar  a popularidade”, lamenta Agostini. (RH)