O Estado de S. Paulo, n. 46601, 20/05/2021. Política, p. A10

Análise: Até onde vai o jogo do passa-adiante?

Mário Scheffer


Ao destacar na CPI sua trajetória militar, Eduardo Pazuello pressupôs condição de imutável superioridade. O general se achava apto para exercer o cargo de ministro de Saúde? “Sim, senhor!”.

No mesmo dia em que ele assumiu o posto, como interino, em maio de 2020, famílias choravam 700 novas mortes por covid. Sob suas mãos, durante os onze meses que se seguiram, a evolução da pandemia foi cataclísmica. No dia em que ele deixou o cargo, em março de 2021, mais de três mil pessoas perderam a vida.

À CPI, o general reforçou sua lealdade ao presidente a quem serviu, mas também pôs em marcha um certo jogo do passa-adiante. Fábio Wajngarten e Ernesto Araújo, ex-titulares do governo, depuseram antes sobre inações da pasta da Saúde. Agora é Pazuello quem passa. Um malogro fragoroso vira uma “missão” bem sucedida só porque enviou dinheiro para governadores e prefeitos. Segundo ele, são os secretários de saúde, assentados pelo STF, que devem responder pela crise que “não é só sanitária, mas de trabalho e sustento”. Onde então se chegará? A responsabilidade pelas mortes será de quem morreu?

Para o general, que se preocupou com uma “quarta onda, de automutilação e suicídio”, o “campo de batalha” de uma epidemia se dá nas enfermarias. Ele escorregou nas medidas que o País não tomou para controlar a transmissão do vírus. Tudo, disse Pazuello, “é simples de entender”, da recusa da compra das vacinas da Pfizer por causa de “cláusulas assustadoras” até a condução criminosa perante o colapso de Manaus.

Churchill, sobre Hitler, dizia que o tirano usava da “originalidade da malícia” e da “engenhosidade da agressão”. Os membros da CPI precisam, desde já, resolver como pretendem que o relatório do inquérito seja lido no futuro: se será uma peça do engenho em cartaz ou um documento histórico preciso.

Professor da Faculdade de Medicina da USP