Correio Braziliense, n. 21447, 05/12/2021. Política, p. 2

Moro defende tribunal de combate à corrupção

Sérgio Fernando Moro


Recife — Na prancheta em que arquiteta os planos para apresentar em 2022, o ex-juiz Sergio Moro já tem o rascunho de uma Agência de Combate à Pobreza (o nome ainda não está fechado) e a criação de uma Corte Nacional Anticorrupção no Poder Judiciário. Esse último ponto tem particular relação com os reveses sofridos pela Operação Lava-Jato na semana passada, quando o Superior Tribunal de Justiça (STJ) anulou as condenações de Antonio Palocci e outros condenados. “Nossos tribunais não podem ter uma resposta assim tão formal para o problema da corrupção. Precisamos ter uma construção de uma jurisprudência que faça com que quem roubou dinheiro público arque com as consequências”, afirmou Moro em entrevista exclusiva ao Correio.

Quanto à agência, o ex-ministro da Justiça faz um trocadilho com o slogan do atual governo, “Brasil acima de tudo”. Nas palavras de Moro, “as pessoas em primeiro lugar, as pessoas acima de tudo”. Hoje, ele está no Recife para lançar seu livro, Sergio Moro contra o Sistema da Corrupção. Em 288 páginas, o ex-magistrado faz uma defesa da Lava-Jato e explica suas decisões ao longo da operação. O ex-ministro da Justiça reconstitui, ainda, a passagem pelo governo Jair Bolsonaro.

Segundo o candidato do Podemos, o presidente “não está nem aí para o combate à corrupção”. Perguntado se abriria mão da candidatura à Presidência para ser vice em alguma composição partidária, Moro avisa que seu “navio já zarpou” e espera que, se tiver melhor performance mais à frente, os outros tenham essa disposição. No embalo para 2022, o presidenciável lança ainda a candidatura do senador José Antônio Reguffe (Podemos) ao Governo do Distrito Federal. Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista.

Na semana em que o senhor lançou o seu livro, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) anulou as condenações de Antônio Palocci e de outros réus da Lava-Jato. Como avalia essa decisão? O combate à corrupção acabou?

A luta contra a corrupção é perene, temos sempre que persistir. Durante a Operação Lava-Jato foi revelado o maior escândalo de corrupção da história do país. Era esse verdadeiro sistema da corrupção que estava impregnado, durante o governo do PT, na Petrobras, mas também em outras estatais e em parte do governo federal. Infelizmente, até em governos estaduais. Conseguimos vencer a impunidade da grande corrupção. Quem roubava dinheiro público passou a ser julgado, passou a ser condenado. Muitas pessoas começaram a servir tempo de prisão. Alguns confessaram os crimes, que era algo mais ou menos inédito na história desse país. Devolveram, inclusive, parte desse dinheiro, milhões de dólares. Agora, esses reveses recentes são lamentáveis. Nós temos que respeitar os tribunais, mas, principalmente, temos que olhar para frente. Nossos tribunais não podem ter uma resposta assim tão formal para o problema da corrupção. Precisamos ter uma construção de uma jurisprudência que faça com que quem roubou dinheiro público arque com as consequências.

O que deve ser feito?

Precisamos mudar a nossa legislação em parte. Teremos, esta semana, uma votação importante na CCJ sobre a proposta de emenda constitucional da execução em segunda instância. É essencial que isso seja aprovado. Por outro lado, temos que pensar formas para aprimorar o combate à corrupção, inclusive nas cortes de Justiça. Por isso, no nosso projeto, propomos a criação de uma Corte Nacional Anticorrupção.

A Justiça tem estrutura para essa Corte Anticorrupção?

Temos que pensar um pouco fora da caixinha. Fui juiz por 22 anos, tenho um grande respeito pelo Judiciário e por seus servidores. Infelizmente, nós também temos que reconhecer que o nosso Judiciário é muito custoso. Ele presta um serviço que não é eficiente. A gente fala muito de corrupção. E, realmente, fora do período da Lava-Jato, e com outras raras exceções, como no caso do Mensalão, a Justiça não tem funcionado contra os poderosos. Nós nos acostumamos com tantas coisas absurdas e temos que mudar isso.

Como?

Temos que ter um serviço público de qualidade, educação, saúde, segurança, mas igualmente, justiça. As pessoas precisam de justiça. A proposta da Corte Nacional Anticorrupção é baseada em modelos que têm funcionado no estrangeiro, inclusive com apoio do Banco Mundial e de associações de magistrados. A ideia não é criar um tribunal com mais juízes e mais servidores, impactando o orçamento público. A ideia é utilizar as estruturas já existentes e atrair para a corte nacional anticorrupção os melhores servidores e os melhores magistrados do Judiciário, por meio de um processo seletivo que leve em conta, com procedimentos de devida diligência, não só a integridade dessas pessoas, mas também o comprometimento com o combate à corrupção, sem aumentar custos orçamentários.

O senhor foi considerado suspeito pelo STF no julgamento do ex-presidente Lula. Como vai responder a isso numa campanha eleitoral?

Estou olhando o presente e o futuro, os projetos que interessam às pessoas. Em relação a esse passado, tem tudo detalhado no meu livro. Com todo o respeito ao Supremo Tribunal Federal, tem que se respeitar as instituições, mas esse julgamento foi um tremendo erro judiciário. A história vai demonstrar. Todo mundo sabe o que aconteceu lá no passado. A Petrobras foi roubada. Criminosos confessaram. Devolveram milhões de dólares. A Petrobras reconheceu lá o rombo de R$ 6 bilhões. Tudo isso durante o governo do ex-presidente. Antes, teve o caso do mensalão. Então, por mais que a gente respeite o STF, é forçoso aqui fazer uma crítica que esse foi um grande erro judiciário.

Por quê?

A gente precisa ter cortes de Justiça comprometidas na aplicação da lei. Nos casos em que pessoas praticaram crimes, se isso estiver provado, você tem que extrair as consequências. E as pessoas têm que ser punidas, por uma questão de justiça. Isso é importante também para a gente evitar novos desvios e construir o futuro. Respeito o Supremo, tenho um grande apreço pelo ministro Luiz Fux, uma pessoa que tem se mostrado firme no discurso e nas ações para combater a corrupção. Agora, esse julgamento foi um erro judiciário.

Nessa questão do combate à corrupção, está todo mundo dizendo que o senhor vai apanhar muito dos dois lados, tanto do ex-presidente Lula quanto de Bolsonaro. Como vai enfrentar isso na campanha?

Nosso foco será apresentar um projeto consistente. A ideia da nossa proposta é colocar as pessoas em primeiro lugar. As pessoas acima de tudo. Queremos apresentar propostas consistentes para a população brasileira. Estamos ouvindo os melhores especialistas do país. Vamos rodar o Brasil para ouvir as pessoas sobre esse projeto e aprimorá-lo, ver o que funciona e o que elas querem para o futuro do país. Nosso projeto pretende ser propositivo. Tem uma coisa que nos favorece: a verdade está do nosso lado.

Por que diz isso?

No livro que escrevi recentemente, sobre a minha experiência da Lava-Jato e, depois, do governo, faço um retrato do que aconteceu no passado, embora queira olhar o presente e o futuro. E os fatos estão do meu lado. As pessoas perguntam: ‘Essa é a sua versão dos fatos?’ Não, esses são os fatos. As pessoas têm direito a ter opiniões, mas os fatos são esses. Existem esses tais fatos alternativos? Não. O que existe é mentira. E a verdade está do nosso lado, porque todo mundo sabe que a Petrobras foi roubada durante o governo do Partido dos Trabalhadores. E o governo atual, que prometeu combater a corrupção, desmantelou os sistemas de controle. O governo atual não está nem aí para o combate à corrupção.

Está pior?

Pior. Temos uma liderança no país que não se importa com o combate à corrupção. Isso tem que mudar. Mas vamos apresentar propostas, proposições para construir e não para ficar se preocupando com que essas outras figuras têm... A gente sabe que vai ser agressivo. Estou acostumado a ter pressões e ter riscos. Não vou deixar de fazer o que acho certo por conta de cara feia.

A questão econômica promete pesar nessa campanha, e o senhor já se referiu a cuidar das pessoas. A gente sabe que o orçamento é restrito. Onde o senhor vai investir mais? O que esperar de um projeto social de Sergio Moro e do Podemos?

Na minha visão sobre o país, eu confio na iniciativa privada e no poder de inovação do setor privado. Acredito que cada pessoa pode se tornar uma versão melhor dela mesma. E o setor privado tem uma grande criatividade, apesar de muitas amarras colocadas pelo governo, às vezes, burocracia desnecessária. Então, temos que fomentar o desenvolvimento econômico por meio do setor privado.

E em relação à miséria?

Ao lado da questão do ensino, precisamos ter um programa forte de erradicação de pobreza. Esses programas de transferência de renda são importantes, precisam ser mantidos. Tenho conversado com especialistas, alguns são os melhores do Brasil, e eles têm me dito que, para fazer as pessoas escaparem das armadilhas da pobreza, é preciso ter uma atenção individualizada, ou até mesmo direcionada a uma comunidade específica. As pessoas precisam ser vistas com atenção, ser colocadas em primeiro lugar. Às vezes, é um tratamento de saúde específico, um treinamento profissional, oportunidade de emprego. A ideia é criar uma força nacional de erradicação da pobreza no formato de uma agência.

Como assim?

Criar uma agência como essas reguladoras, mas um pouco diferente, e com uma missão específica, erradicar a pobreza no país. Trazer para essa agência a elite do funcionalismo público brasileiro, para a gente ter políticas transversais, educação, saúde e, eventualmente, o que mais for necessário para remediar essas situações específicas. E atuar no país inteiro. Aí você tem uma missão e você sabe onde cobrar. O lado bom é tirar isso da política partidária. Se você cria uma agência, isso passa a ser política de Estado e não uma política de governo. A gente fala da Polícia Federal, que tem que ser de Estado e não de governo. A mesma coisa deve ser a erradicação da pobreza, política de Estado, permanente, vigorosa, focalizada para atender os mais vulneráveis.

Para fazer tudo isso, o senhor precisará de apoio no Congresso Nacional. Como será o trato com parlamentares?

Boa política depende de projeto consistente, princípios e valores e intenso diálogo. Estamos trabalhando em três frentes: construindo um projeto consistente, fundado em princípios e valores. E, por outro lado, conversando com todo mundo, partidos, agentes políticos. Muita gente tem nos procurado, e nós também temos procurado várias pessoas. Não existe nenhum problema em tomar iniciativas e conversar com os outros. Agora, precisa ter um pacto político, e isso precisa ser durante o período eleitoral, durante o ano de 2022, em torno de um projeto que tenha um programa consolidado.

Como seria esse pacto?

É o mesmo pacto político que a gente tem que ter para construir a estabilidade econômica, que é a raiz da prosperidade. Dar condições para o país voltar a crescer e gerar empregos, renda e diminuir as desigualdades sociais. Agora, existe uma pauta de princípios e valores que nós não podemos transgredir. Não podemos construir governabilidade em cima de violações da lei. Até porque a gente vê a nossa experiência histórica e vê que isso não deu certo. O governo do PT, no qual ocorreram os dois principais escândalos de corrupção da história, o mensalão e o petrolão, acabou na recessão de 2014- 2016. O PT tenta esconder tantos os escândalos de corrupção como a recessão.

O senhor propõe um novo modelo de governabilidade, aparentemente.

Sim. O modelo de governabilidade fundado na corrupção não funciona. O governo atual começou com uma promessa de consolidação do combate à corrupção. A promessa era falsa. No governo, eu lutava sozinho por isso, praticamente. E o que o governo atual está nos entregando? Recessão. Isso significa menos emprego, menos renda. Então, vamos fazer algo diferente, vamos fazer um projeto consistente, técnico, conversando com especialistas, com as pessoas e um pacto político em cima desse projeto. Mas não vamos abdicar dos nossos valores, porque a gente sabe como isso termina e não termina bem.

 

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