O Estado de S. Paulo, n. 46594, 13/05/2021. Política, p. A12

Bastidores: STF vê retaliação em pedido da PF para investigar Toffoli

Rafael Moraes Moura


Ministros do Supremo Tribunal Federal de diferentes alas, ouvidos reservadamente ontem, se disseram estarrecidos com o pedido da Polícia Federal para investigar supostos repasses ao ministro Dias Toffoli, envolvendo a venda de decisões judiciais. Segundo o Estadão apurou, a tendência da Procuradoria-geral da República é defender o arquivamento do caso.

O pedido da PF, feito com base na controversa delação do ex-governador do Rio Sérgio Cabral (MDB), está sob análise do relator da Lava Jato no STF, Edson Fachin. Dentro da Corte, há quem veja na solicitação da PF as digitais do Planalto ou uma “vingança interna” contra a troca no comando da instituição. Amigo de Toffoli, o delegado Paulo Maiurino assumiu o comando da PF no mês passado, após o presidente Jair Bolsonaro alterar o primeiro escalão do governo.

Em outra frente, Fachin decidiu enviar para o plenário virtual da Corte um recurso da PGR que contesta a homologação da delação de Cabral. O caso vai ser examinado a partir de 21 de maio na plataforma digital, que permite a análise de casos a distância, sem a necessidade de se reunir pessoalmente ou por videoconferência. Na prática, os ministros vão decidir se mantêm a delação como um todo de pé – ou se a derrubam.

Nos bastidores do STF, o pedido da PF foi visto como “muito estranho” e um “absurdo total”. Ministros questionam a credibilidade da palavra de Cabral e destacam que a própria PGR já mandou arquivar inquéritos abertos com base na delação do ex-governador. Mesmo com a expectativa de que o procurador-geral da República, Augusto Aras, peça o arquivamento desse pedido de investigação, integrantes do Supremo avaliam que a mera divulgação da ofensiva da PF é traumática e atinge a imagem do tribunal.

Em um dos trechos da delação, Cabral acusa Toffoli de receber cerca de R$ 4 milhões para ajudar dois prefeitos em processos que tramitavam no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O ministro atuou na Corte Eleitoral de 2012 a 2016. Os pagamentos envolveriam o escritório da advogada Roberta Rangel, mulher de Toffoli.

No início do ano passado, Fachin homologou o acordo de colaboração firmado por Cabral com a PF, alvo de críticas da PGR e da força-tarefa da Lava Jato no Rio, que alegam que o delator não apresentou fatos novos. Após homologar o acordo e autorizar a abertura de 12 inquéritos, Fachin encaminhou a Toffoli os processos para que o então presidente do STF analisasse se seria o caso de redistribuí-los para outro integrante da Corte. Toffoli pediu parecer da PGR, que opinou pelo arquivamento das investigações. Preso desde 2016, Cabral já disse que seu “apego a dinheiro é um vício”. Em depoimentos, passou a confessar crimes.

Procurada pela reportagem, a PGR informou que “aguarda o envio dos autos”. Em nota, Toffoli declarou “não ter conhecimento dos fatos mencionados” e “jamais recebeu os supostos valores ilegais”. A defesa de Cabral afirma que o ex-governador “apresentou todos os relatos, com a indicação de fatos precisos e dados de corroboração”.