O Estado de S. Paulo, n. 46592, 11/05/2021. Política, p. A5

A importância das patentes


A comoção decorrente da covid-19 tem suscitado uma série de propostas e ações que abalam a estabilidade do sistema de patentes e causam insegurança às empresas e instituições empenhadas em desenvolver inovações, nos mais diversos setores da economia.

Uma dessas questões é o debate sobre a licença compulsória de patentes para vacinas contra a covid-19, processo também conhecido como “quebra provisória de patentes”. Na semana passada, o governo dos Estados Unidos anunciou apoio a uma proposta nessa direção que já estava sendo discutida na Organização Mundial do Comércio (OMC).

O Brasil tem alguns projetos de lei sobre licença compulsória de patentes para vacinas tramitando no Congresso Nacional. Um deles já foi aprovado pelo Senado e seguiu para análise da Câmara. Para o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, a eventual aprovação da proposta resultaria em efeitos negativos no combate à pandemia, pois não traria resultados efetivos e poderia abalar o que já se construiu, em termos de cooperação, com os laboratórios estrangeiros.

“É preciso entender que os princípios de reconhecimento à inventividade precisam ser mantidos. Outra pandemia poderá acontecer daqui a algum tempo, e a humanidade novamente dependerá da incrível capacidade demonstrada pelos laboratórios desde que começou a crise da covid-19”, disse Mandetta durante o Diálogos Estadão Think — Qual a Importância das Patentes?, promovido no dia 5 de maio pelo Estadão Blue Studio em parceria com a Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma). Fundada em 1990, com 51 laboratórios associados, a organização representa empresas que investem em pesquisa e inovação na área farmacêutica. 

Processo Complexo

Do ponto de vista prático, Mandetta projetou que seria necessário pelo menos um ano, a partir da eventual quebra das patentes das vacinas pelo Brasil, para que o País consiga colocar no mercado uma opção “genérica”, o que exige uma série de etapas e testes. “A pergunta que se faz é: o que ocorreria nesse meio-tempo com os processos e parcerias em andamento? Como ficaria a segurança daqueles que depositaram suas patentes aqui?”

Em contrapartida, mantendo-se o quadro atual, mesmo com todas as dificuldades para que o processo avance na velocidade desejada, espera-se que em um ano o Brasil já tenha conseguido vacinar 100% de sua população. “E então precisaremos das novas gerações de vacinas contra a covid-19. Para isso temos os acordos de transferência de tecnologia em andamento”, disse Mandetta.

A presidente da Interfarma, Elizabeth de Carvalhaes, concordou que a licença compulsória não traria benefícios efetivos para o enfrentamento da pandemia no Brasil, dada a complexidade envolvida numa eventual produção local que partisse do estágio inicial. “É preciso habilitar fábricas, desenvolver know-how e obter os insumos, que têm logística complicada.”

A expectativa é de que, ao longo do próximo ano, outros laboratórios coloquem vacinas no mercado e os países desenvolvidos distribuam seus excedentes, de tal forma que a oferta se tornará mais ampla e regular. Assim, toda a infraestrutura eventualmente mobilizada pelo Brasil para fabricar versões genéricas das vacinas deverá se tornar desnecessária em pouco tempo. 

Visão Estratégica

A solução apontada pelos especialistas é a busca de estratégias consorciadas, em nome do esforço coletivo da humanidade para deter a pandemia. “E isso se faz com diálogo, porque rompimentos e decisões unilaterais certamente não são o melhor caminho”, observou o senador Izalci Lucas, presidente da Frente Parlamentar Mista de Ciência, Tecnologia, Pesquisa e Inovação, também presente no debate.

Ele ressaltou a importância de investir na pesquisa e na inovação, para que, nas próximas gerações de vacinas contra a covid-19 e contra outras doenças, o Brasil não dependa da compra ou da quebra de patentes. “Por isso é fundamental reforçar o sistema de patentes, em vez de atacá-lo”, disse o senador.

Para Elizabeth, as circunstâncias da pandemia deveriam ser aproveitadas para que se desenvolva uma visão estratégica de pesquisa e desenvolvimento. “Precisamos definir nossa agenda de inovação e tecnologia. Onde queremos estar daqui a 30 anos? Quais vão ser as nossas políticas de longo prazo?”

José Graça Aranha, diretor regional da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (Ompi) no Brasil e ex-presidente do Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (Inpi), observou que as decisões nessa área deveriam ser muito mais técnicas que políticas e ressaltou a relação próxima, ao longo da história, entre desenvolvimento econômico e valorização da propriedade industrial. “Só os países que entenderam isso deram saltos econômicos, sociais e tecnológicos. É irônico que, justamente neste momento em que a humanidade está dependendo tanto das pesquisas e da inovação, o sistema de patentes esteja sendo atacado de tantas formas.”