Correio Braziliense, n. 21179, 20/05/2021. Política, p. 4

Esquema ilegal agarra Salles
Augusto Fernandes
Israel Medeiros
Sarah Teófilo
Vera Batista
João Vitor Tavarez*
Pedro Ícaro*


O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, foi acusado pela Polícia Federal de integrar um esquema criminoso que facilitou a exportação ilegal de madeira para a Europa e os Estados Unidos. Uma investigação feita pela corporação constatou que, a pedido de madeireiras no Pará, ele, o presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Eduardo Bim, e outros 10 servidores públicos mudaram normas legais que contribuíram para o contrabando de produtos florestais.

A PF cumpriu 35 mandados de busca e apreensão, ontem pela manhã, por determinação do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Salles foi um dos alvos da Operação Akuanduba, em alusão a uma divindade da mitologia dos índios Araras, que habitam o Pará. As condutas de Salles e dos demais investigados podem tipificar corrupção passiva, facilitação de contrabando, prevaricação, advocacia administrativa, corrupção ativa, contrabando, crimes contra a administração ambiental, lavagem de dinheiro, e integrar organização criminosa e obstrução de justiça.

Um dos principais indícios da participação do ministro no esquema foi o endosso dado ao pedido de duas empresas exportadoras de madeira para que o Ibama revogasse uma instrução normativa, de 2011 e da própria autarquia, que só autorizava a exportação de produtos e subprodutos madeireiros de origem nativa de florestas naturais ou plantadas mediante autorização do instituto no local da exportação. A PF relata que o pedido das madeireiras foi feito em uma reunião com Salles, Bim, parlamentares e outros integrantes do Meio Ambiente e do Ibama, em 6 de fevereiro do ano passado. Contrariando um parecer técnico da autarquia para que a instrução normativa não fosse cancelada, Salles deu aval para que Bim publicasse um novo despacho liberando a exportação de madeira nativa sem fiscalização.

Passar a boiada

A investigação lembra as declarações de Salles, na reunião ministerial de 20 de abril de 2020 — quando falou que o governo deveria aproveitar a atenção da imprensa voltada à pandemia para "passar a boiada" e mudar regras de proteção ambiental — para justificar a atuação do ministro nas exportações ilícitas de madeira. De acordo com as apurações, o ato assinado por Bim teve caráter retroativo, o que acabou "legalizando milhares de cargas expedidas ilegalmente entre os anos de 2019 e 2020".

Salles e os demais investigados tiveram os sigilos bancário e fiscal quebrados por determinação de Alexandre de Moraes. No inquérito, a PF aponta a existência de diversas comunicações ao Conselho de Controle das Atividades Financeiras (Coaf) "de operações suspeitas" envolvendo o ministro do Meio Ambiente.

Moraes ressalta que foi identificada uma "movimentação extremamente atípica", de R$ 14,2 milhões, envolvendo o escritório de advocacia do qual o ministro é sócio, no período de janeiro de 2012 a junho de 2020.  (*Estagiários sob a supervisão de Fabio Grecchi)