Correio Braziliense, n. 21444, 02/12/2021. Política, p. 3

Compromisso com o Estado laico

Israel Medeiros 
Luana Patriolino


André Mendonça foi sabatinado por mais de oito horas na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) antes de sua indicação ao Supremo Tribunal Federal (STF) ser levada à avaliação do plenário do Senado. No colegiado, ele fez acenos à classe política e defendeu o Estado laico, mas se distanciou de decisões e falas controversas do presidente Jair Bolsonaro (PL), que o escolheu para o posto. O ex-AGU iniciou o trâmite exaltando sua história no direito e citando sua religião.  

Ele buscou superar a desconfiança de que se pautará pela religião nas demandas apresentadas ao Supremo. Enfatizou que seguirá usando a Bíblia como base para suas atitudes, mas sustentou que, enquanto ministro do Supremo, ter a Constituição como norte.  

“Comprometo-me com o Estado laico. Considerando discussões havidas em função de minha condição religiosa, faz-se importante ressaltar a minha defesa do Estado laico”, disse na comissão. “Na vida, a Bíblia; no STF, a Constituição.”

Questionado sobre união homoafetiva e homofobia, Mendonça sustentou que agirá para fazer valer a Constituição e respeitará os direitos individuais da comunidade LGBTQIA+. “Não se admite qualquer tipo de discriminação. É inconcebível qualquer ato de violência física, verbal e moral com relação a essa comunidade. Assim, meu comprometimento diante de situações como essa é de aplicar a legislação pertinente”, pontuou.

Mendonça, que foi ministro da Justiça e Segurança Pública do governo Bolsonaro, esperou quase cinco meses para se tornar o novo ministro do Supremo — a indicação dele foi oficializada por Bolsonaro em 13 de julho, e a CCJ do Senado recebeu o documento em 18 de agosto.  

A demora é creditada a uma manobra do presidente da CCJ, Davi Alcolumbre (DEM-AP), para tentar desgastar Mendonça e vê-lo reprovado no Senado. Apesar disso, o tratamento entre os dois, na sessão de ontem do colegiado, foi cordial e respeitoso.

Confiança

Antes da votação na CCJ, governistas já davam como certo o aval a Mendonça. “Nos últimos meses, nós temos trabalhado com todos os senadores (para viabilizar a aprovação de Mendonça). Não importa a religião do indicado, isso nunca foi tema de discussão de qualquer uma das indicações ao Supremo Tribunal Federal. O que nós fizemos questão de ressaltar aos senadores é o currículo e a carreira de dedicação de André Mendonça ao serviço público”, disse o senador Carlos Viana (PSD-MG). “André Mendonça demonstra que tem a experiência, tem o respeito e a capacidade de entender o Brasil. A questão religiosa não o impede em momento algum.”

Já o senador Marcos Rogério (DEM-MG) acredita que as resistências a Mendonça foram frutos de “preconceito”. “Acho que essa indicação engrandece o papel da Corte constitucional e dá voz a uma parcela muito importante da sociedade brasileira”, destacou.

As principais declarações de Mendonça na CCJ

Democracia

“A democracia é uma conquista para a humanidade. Para nós, não, mas em muitos países ela foi conquistada com sangue derramado e com vidas perdidas.”

Pedido de desculpas

“Meu pedido de desculpas por uma fala que pode ter sido mal interpretada e que não condiz com aquilo que eu penso. Vidas se perderam na luta para a construção da nossa democracia. Além do meu pedido de desculpas, o meu registro do mais profundo respeito e lamento pela perda dessas vidas”

Delação premiada

“Entendo que uma delação premiada não é elemento de prova. Não posso basear uma convicção com base em uma delação. Delação não é acusação. Dito isso, entendo que o combate à corrupção tem de ser feito respeitando os direitos e garantias individuais. Os fins não justificam os meios.”

Direitos fundamentais

“A preservação dos direitos e garantias fundamentais se revela ainda mais indispensável pelos membros do Poder Judiciário, em especial pelos ministros da Suprema Corte do país. Juiz não é acusador, e acusador não é juiz.”

Estado laico

“Considerando as discussões em função da minha condição religiosa, faço importante ressaltar minha defesa do Estado laico. A igreja presbiteriana, da qual pertenço, nasceu no contexto da reforma protestante, tendo como uma de suas marcas justamente a defesa da separação entre igreja e Estado.”

Casamento homoafetivo

“O casamento civil, eu tenho a minha concepção de fé específica. Como magistrado da Suprema Corte, tenho de me pautar pela Constituição. Eu defenderei o direito constitucional do casamento civil das pessoas do mesmo sexo.”

Relação entre Poderes

“A automoderação do Poder Judiciário é corolário lógico do próprio princípio Estado democrático de direito. Desse modo, afirmo meu compromisso em respeitar as decisões e as ações, tanto do Poder Legislativo quanto do Poder Executivo, sempre que adotadas no exercício regular das suas atribuições e conforme a Constituição.”

Posse de armas

“Logicamente que há espaço para posse e para porte de armas. A questão que deve ser debatida é: quais os limites, até que ponto e até que extensão.”

Leia em: https://flip.correiobraziliense.com.br/edicao/impressa/2742/02-12-2021.html?all=1