Correio Braziliense, n. 21176, 17/05/2021. Política, p. 4

Bruno Covas, fiel democrata
Carlos Alexandre de Souza
Augusto Fernandes


Aos 41 anos, Bruno Covas encerrou a trajetória política exercendo um feito notável no Brasil de 2021: uniu os extremos. Ontem, horas após a confirmação da morte do prefeito de São Paulo, políticos que costumam se digladiar baixaram as armas e valorizaram as qualidades do jovem conhecido pelo temperamento conciliador, pela disciplina para o trabalho, pela dedicação ao serviço público e, acima de tudo, pela impressionante determinação para viver. Às 8h20 de domingo, Bruno Covas perdeu a luta contra o câncer. Mas se consagrou como um incansável batalhador em um país tomado por guerras na saúde, na economia, na política e na sociedade. Quatro ex-presidentes da República, o presidente Jair Bolsonaro, governadores e diversas lideranças políticas manifestaram pesar pela morte do prefeito, herdeiro de um dos maiores nomes do PSDB, Mário Covas.

"Bruno deixa o legado de alguém compartilhador. Do ponto de vista da vida pública, deu exemplo de honestidade, decência, diálogo, a defesa da liberdade, da diversidade, o direito de todos, dos mais pobres e desvalidos", disse o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), no início da noite de ontem, ao deixar a cerimônia de sepultamento de Covas no cemitério de Paquetá, em Santos. Bruno Covas foi enterrado no jazigo do avô, Mário Covas, fundador do PSDB, ex-governador, candidato a presidência na primeira eleição direta após a Ditadura Militar, em 1989, e maior inspiração para o neto seguir a vida política. Santos, ainda, significava outra paixão para Bruno Covas. Ele era torcedor fanático do clube que se tornou lenda no futebol mundial sob os pés do Rei Pelé. A prefeitura da cidade no litoral paulista decretou luto oficial por três .

Em um país assolado pela pandemia da covid-19, o velório e o enterro do corpo de Bruno Covas foram reservados. As cerimônias, em São Paulo e em Santos, foram acompanhadas por familiares e amigos. Na capital paulista, o corpo de Covas foi velado no saguão da Prefeitura de São Paulo, no Viaduto do Chá. Cerca de 20 pessoas acompanharam a cerimônia. Do lado de fora do prédio, apoiadores políticos, pessoas com bandeiras do Santos e do Brasil e algumas centenas de populares compareceram para se despedir do prefeito. A cerimônia foi transmitida pela internet.

Durante o velório, os pais de Bruno Covas, Pedro Mauro Lopes e Renata Covas Lopes, estavam na primeira fileira, ao lado do corpo, que ficou em um caixão sobre um tapete vermelho no saguão do prédio. Na terceira fileira, atrás de políticos convidados para a cerimônia, estava Tomás Covas, 15 anos, filho do prefeito. O adolescente era confortado pelo oncologista Tulio Pfiffer, médico do Hospital Sírio-Libanês que acompanhou o tratamento de Bruno Covas. Karen Ichiba, mãe de Tomás, também estava na terceira fileira. Em um dos momentos mais emocionantes da cerimônia, Tomás se despediu do pai com um abraço sobre o caixão.

Tomás Covas foi companheiro inseparável desde que o pai descobriu, em outubro de 2019, o diagnóstico de câncer. Em uma das suas últimas publicações nas redes sociais, o prefeito disse que venceria a doença em homenagem ao filho. "Enfrentar, combater e vencer. A luta pela vida continua, e com você ao meu lado, a vontade de vencer é gigante. Obrigado por estar sempre aqui, filho. Eu te amo", escreveu Covas. No último aniversário do prefeito, em abril, Tomás publicou um vídeo, desejando força ao pai. "Você é uma pessoa muito especial para mim. Me espelho muito em você pela pessoa guerreira, batalhadora, inteligente que você é. Pode sempre contar comigo. Te amo." Bruno e Tomás moravam no bairro paulistano de Barra Funda, junto com Volpi, cachorro de estimação da raça staffordshire bull terrier.

Uma das últimas manifestações políticas de Bruno Covas ocorreu na semana passada, na cerimônia de filiação de Garcia, vice-governador de São Paulo, aos quadros do PSDB. Em carta, o prefeito da cidade mais atingida pela covid-19, com 1,1 milhão de casos confirmados e 29 mil mortes, descreveu o cenário desolador no Brasil para em seguida defender seus ideais. "Esses últimos meses têm sido muito desafiadores para todos nós. A pandemia da covid-19 tem cobrado um preço caro dos brasileiros e vamos caminhando para contabilizar 430 mil mortos. (...) As consequências são catastróficas: vidas interrompidas, famílias em sofrimento, negócios em dificuldade, desemprego, pobreza e, lamentavelmente, a fome. Faço esse preâmbulo pois é exatamente sobre o que se trata o dia de hoje: política. A solução para nossos problemas só será enfrentada pela via da política, pela via democrática, pela seriedade com que os governos trabalham e realizam políticas públicas", escreveu o prefeito.

Em crítica à atuação do governo federal, "que vem desdenhando da vida e da saúde dos brasileiros ao longo da pandemia", Bruno Covas condenou firmemente a polarização que se formou em torno da pandemia, em níveis próximos da insanidade. "O momento do Brasil demanda de todos nós espírito público, unidade, agregação, somar e não dividir, não deixar nenhum interesse pessoal sobrepujar o interesse coletivo", alertou o prefeito.

Carreira política

Formado em direito pela USP e em economia pela PUC-SP, Covas iniciou a carreira política em 1998, quando se filiou ao PSDB. Em 2004, concorreu à vice-prefeitura de Santos na chapa de Raul Christiano (PSDB). Ficou em quarto lugar na disputa. Dois anos depois, conheceu a primeira vitória nas urnas: elegeu-se deputado estadual por São Paulo com 122.312 votos. Em 2010, Covas se reelegeu para o cargo, com o maior número de votos naquele pleito: 239.150. No ano seguinte, deixou o posto para chefiar a Secretaria do Meio Ambiente de São Paulo, a convite do então governador Geraldo Alckmin (PSDB). Covas continuou no cargo até abril de 2014. Naquele mesmo ano, foi eleito deputado federal com 352.708 votos.

Covas teve uma passagem por Brasília, onde exerceu o mandato de deputado federal por dois anos. Em 2016, votou pelo impeachment de Dilma Rousseff. Licenciou-se do cargo de parlamentar para compor a chapa de João Doria na disputa pela prefeitura paulistana. Os dois foram eleitos em primeiro turno, algo inédito na história das eleições para o Executivo da capital de São Paulo, com 3.085.187 votos. Na gestão de Doria, Covas também comandou as secretarias das Prefeituras Regionais e a da Casa Civil.
Em 2018, com a renúncia de Doria para concorrer ao governo de São Paulo, Covas deu início ao primeiro mandato como prefeito de São Paulo. Em 2020, conseguiu a reeleição ao derrotar no segundo turno Guilherme Boulos (PSol), com 3.169.121 votos, mas se afastou do Executivo paulistano no início de maio para se dedicar ao tratamento do câncer. No seu lugar, assumiu o vice Ricardo Nunes (MDB).

Conhecido pela autodisciplina e pelo caráter conciliador, Bruno Covas fez questão de lembrar, até o fim, as convicções que marcaram a vida pessoal e política. "O apoio e o suporte de vocês têm sido decisivos no meu tratamento. Venho seguindo à risca as orientações de minha equipe médica e, de cabeça erguida, enfrentando os desafios que a vida me impõe. A luta é dura e árdua, mas não esmoreço e sigo em frente", escreveu o prefeito, em agradecimento às incontáveis mensagens de apoio que recebeu na luta contra o câncer, pela vida, pela boa política. (Com agência Estado)