O Estado de S. Paulo, n. 46580, 29/04/2021. Política, p. A8

Deputado vira réu por ataques ao STF

Rafael Moraes Moura


Por unanimidade, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu ontem colocar no banco dos réus o deputado bolsonarista Daniel Silveira (PSLRJ), denunciado pela Procuradoria-geral da República (PGR) por divulgar vídeos com apologia do Ato Institucional 5 (AI-5) e discurso de ódio contra integrantes da Corte. O STF também manteve Silveira em prisão domiciliar.

 

A decisão marca mais uma defesa do tribunal frente a insultos e tentativas de intimidação. O parlamentar foi enquadrado por grave ameaça, crime tipificado no Código Penal, e incitar a animosidade entre o tribunal e as Forças Armadas – delito previsto na Lei de Segurança Nacional (LSN). A legislação, em vigor no País desde a ditadura, é contestada em cinco ações que tramitam no STF. A Câmara também discute sua revogação.

Ao analisar a denúncia, no entanto, o Supremo não se debruçou sobre a validade da LSN. No mérito, concluiu que há indícios de que o parlamentar cometeu o crime previsto na legislação. "A Constituição não permite a propagação de ideias contrárias ao estado democrático, nem tampouco a realização de manifestação nas redes sociais incitando, por meio de violência, o rompimento do Estado de Direito, a extinção da separação de poderes, o fechamento do Supremo Tribunal Federal. O recado que deve ser dado, claro, por esta Suprema Corte é que o Poder Judiciário não aceita intimidações. Não aceita ameaças", disse o relator do caso, Alexandre de Moraes.

"Liberdade de expressão não se confunde com liberdade de agressão, não se confunde com anarquia, desrespeito ao Estado de direito e uma total possibilidade da defesa, por parte de um parlamentar, do fechamento do Congresso e do STF. A Constituição consagra liberdade de expressão, dentro do binômio liberdade com responsabilidade. Aqueles que confundem atentados contra a Constituição e a ordem democrática com liberdade de expressão estão fazendo um malefício à liberdade de expressão", completou.

O passo seguinte ao recebimento da denúncia será a abertura de uma ação penal para aprofundar as investigações, que poderão levar à condenação ou absolvição do deputado. O caso de Silveira está sendo analisado pelo Supremo, já que o parlamentar possui prerrogativa de foro perante o tribunal.

A denúncia da PGR foi apresentada em fevereiro, logo após o Supremo confirmar, também por unanimidade, a prisão de Silveira determinada por Moraes. Em março, Moraes colocou Silveira em prisão domiciliar, com tornozeleira eletrônica, mas o autorizou a acompanhar, de casa, as sessões da Câmara.

 

Vídeos. A denúncia da PGR se baseia em um vídeo do parlamentar, divulgado em fevereiro, com ataques ao STF, e em outras duas gravações publicadas no fim do ano passado intituladas "Na ditadura você é livre, na democracia é preso!" e "Convoquei as Forças Armadas para intervir no STF".

No vídeo de fevereiro, Silveira afirma que os onze ministros do Supremo "não servem pra porra nenhuma pra esse país", "não têm caráter, nem escrúpulo nem moral" e deveriam ser destituídos para a nomeação de "onze novos ministros".

"Não se trata aqui de opinião, se trata de depreciação, violência verbal. Intimidar o seu julgador é e sempre foi uma conduta absolutamente reprovável, independentemente da filiação ideológica do parlamentar", afirmou o vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques de Medeiros.

 

Defesa. Durante a sessão, o advogado Jean Cleber Garcia Farias, defensor de Silveira, reconheceu que o parlamentar cometeu "excessos", mas criticou o uso da LSN para investigá-lo. "Se houve excessos, e acredito que sim, por parte do deputado, que ele seja punido, mas não usando uma lei odiosa, que está prestes a ser enterrada com uma nova Lei de Segurança Nacional", afirmou.

Após o julgamento do STF, a assessoria do deputado criticou a decisão. "Afinal, o que estamos assistindo é um grupo político dominando o Poder Judiciário e atuando no cumprimento e evolução de sua agenda."

 

'Desrespeito'

"Liberdade de expressão não se confunde com liberdade de agressão, não se confunde com anarquia, desrespeito ao estado de direito."

Alexandre de Moraes

Ministro do STF e Relator do caso

 

Investigação

• Preso

O deputado bolsonarista Daniel Silveira (PSL-RJ) foi preso em 16 de fevereiro depois de divulgar um vídeo com apologia do Ato Institucional 5 (AI-5), o mais violento da ditadura milhar, e discurso de ódio contra os integrantes do Supremo Tribunal Federal.

• Inquérito

A ordem de prisão em flagrante pela prática de crime inafiançável foi determinada pelo ministro do STF Alexandre de Moraes e ocorreu no âmbito do inquérito que apura ameaças e fake news disparadas contra ministros da Corte e seus familiares.

 

• Supremo

No dia seguinte à prisão, o Supremo confirmou, por unanimidade, a prisão do parlamentar. No mesmo dia, a Procuradoria-geral da República apresentou denúncia contra Silveira por ameaças a ministros da Corte.

 

• Câmara

Por 364 votos a favor, 130 contra e 3 abstenções, a Câmara decidiu manter a prisão do deputado.