O Estado de S. Paulo, n. 46579, 28/04/2021. Metrópole, p. A22

Cientistas elogiam o veto à vacina Sputnik V

Paula Felix
Mariana Hallal
Gonçalo Junior


A decisão da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) de negar o pedido de importação da vacina Sputnik V, imunizante russo contra a covid-19, recebeu apoio de membros da comunidade científica e críticas de governadores e da farmacêutica.

Os cinco diretores seguiram anteontem as recomendações das três áreas técnicas que analisaram o pedido e encontraram falhas nos estudos e processos produtivos da Sputnik, além da falta do relatório técnico da vacina. A análise feita pela agência era referente ao pedido de importação de 29,6 milhões de doses por dez Estados.

Um dos problemas apontados pela agência foi a presença de adenovírus replicante nos lotes. Lorena de Castro Diniz, coordenadora do Departamento Científico de Imunização da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (Asbai), diz que este é um ponto importante, pois a possibilidade de replicação do adenovírus pode trazer consequências. “Pode causar amidalite, rash cutâneo, conjuntivite, afetar o sistema nervoso central, causando encefalite, meningite viral e doenças autoimunes, como Guillain-barré.”

Presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações, Juarez Cunha afirma que é preciso confiar no trabalho da agência reguladora e o País deve buscar outras opções. Já o presidente da Sociedade Brasileira de Virologia, Flávio da Fonseca, destacou que foi uma decisão técnica. “Existe um rol de justificativas que deu suporte à decisão.”

Paulo Lotufo, professor da USP, alertou que a aprovação em outros países não significa garantia de que uma substância é segura. “A talidomida indicada para enjoo na gravidez nos anos 1950 foi proibida em um único país: EUA. Europa e Brasil a aprovaram e o resultado é conhecido até agora com pessoas que nasceram mutiladas.”

No Twitter, a epidemiologista e vice-presidente do Instituto Sabin dos Estados Unidos, Denise Garrett, classificou o trabalho do corpo técnico da Anvisa como “exemplar”. “A pressão não deve ser na Anvisa – deve ser no Instituto Gamaleya.”

Resposta. O CEO do Fundo Russo de Investimento Direto, Kirill Dmitriev, voltou a acusar a Anvisa de ter tomado uma “decisão política”. “Nada tem a ver com o acesso do órgão regulador à informação ou à ciência. Em nossa opinião, essa decisão é consequência direta da pressão dos Estados Unidos.”

O Instituto Gamaleya negou a possibilidade de haver adenovírus nas amostras e falou que tem um controle de qualidade rigoroso. “Nenhum adenovírus competente para replicação (RCA) foi encontrado em qualquer um dos lotes da vacina.”

O CEO do fundo russo falou também que a Anvisa não foi “profissional” nem “ética”, além de ser “injusta” e “antiprofissional” e acusou a agência de estar tentando barrar a entrada do imunizante no País. Também disse que a Anvisa solicitou mais documentos do que todos os órgãos reguladores dos outros 60 países onde a vacina foi aprovada e que todos os documentos pedidos foram entregues. Sobre uma possível revisão futura, Dmitriev afirmou que “vamos fazer de tudo para que isso seja possível”. “Mas, se o Brasil não quiser, vamos focar nos outros países.”

Políticos. Os governadores ainda mantêm a ideia de garantir aval para a importação da Anvisa. Uma contestação inicial será científica, apresentando mais informações e solicitando um novo parecer. Eles querem, inclusive, que técnicos da Anvisa visitem o Instituto Gamaleya, responsável pela produção da vacina, na Rússia. Posteriormente, essa contestação poderá chegar à Justiça.

“Vamos reunir um grupo de cientistas da Bahia, fazer uma reunião com o Instituto Gamaleya para discutir os pontos específicos apontados pela Anvisa”, disse Fábio Villas-boas, secretário de Saúde da Bahia. O governador do Maranhão, Flávio Dino (PCDOB-MA), adotou linha semelhante. “Vamos colher um parecer técnico para levar a temática para a Anvisa e ao STF (Supremo Tribunal Federal) para nova análise.”

“A Sputnik V está salvando vidas em México, Argentina, Hungria e mais 58 países. Infelizmente, para a Anvisa não há evidências suficientes para que os 37 milhões de doses adquiridas pelos Estados brasileiros sejam autorizadas a entrar no País”, tuitou o governador de Pernambuco, Paulo Câmara (PSB).

Enquanto isso, o Consórcio Nacional de Vacinas das Cidades Brasileiras (Conectar) busca alternativas. O grupo, que reúne mais de 2 mil cidades, esteve em tratativas para a compra de 30 milhões de doses da Sputnik ao longo deste ano. “Para a manutenção do cronograma, o Conectar já havia iniciado o processo de diálogo com outros possíveis fornecedores internacionais”, informou em nota oficial./ PAULA FELIX, MARIANA HALLAL e GONÇALO JUNIOR

Defesa do trabalho

“Fizeram um trabalho meticuloso e bem respaldado. Não significa que a vacina não venha a ser boa. Significa que faltam dados.”

Denise Garrett

Instituto Sabin (EUA)