Correio Braziliense, n. 21166, 07/05/2021. Brasil, p. 6

Mais brutal ação da polícia no Rio mata 25


Uma operação policial na favela do Jacarezinho, na Zona Norte do Rio de Janeiro, deixou 25 pessoas mortas ontem e já pode ser considerada a mais letal contra uma comunidade, segundo a plataforma Fogo Cruzado e o Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos (Geni) da Universidade Federal Fluminense (UFF). A incursão da Polícia Civil, a primeira desde que Cláudio Castro foi efetivado como governador do estado, no último sábado, ocorreu para apurar o suposto aliciamento de menores e o sequestro de trens da SuperVia peor uma facção criminosa. Moradores acusam os agentes de execução, e o Ministério Público do Rio de Janeiro anunciou que investigará.

Segundo a corporação, a maioria dos mortos era suspeita de integrar a quadrilha, que domina a venda de drogas na região. Um policial morreu: o detetive André Leonardo de Mello Frias, da Delegacia de Combate à Drogas (Dcod), baleado na cabeça. Ele foi levado para o Hospital Municipal Salgado Filho, no Méier, mas não resistiu.

A Operação Exceptis começou pouco depois das 6h, quando moradores já relatavam a presença de helicópteros sobrevoando a região e de intensa troca de tiros. Imagens nas redes sociais mostravam a janela de uma das composições do metrô, que naquele trecho circula na superfície, com uma marca de bala de arma de fogo — uma pessoa foi ferida por estilhaços de vidro e, outra, de raspão no braço.

Também circularam imagens nas redes sociais mostrando uma suposta perseguição dentro de uma residência, que deixou um rastro de sangue e, ao final, marcas do que poderia ter sido uma execução. Membros da Defensoria Pública do Rio de Janeiro presenciaram um cenário de guerra.

"Muitos muros e portas cravejados de balas. Duas casas me impactaram muito. Em uma, a família foi retirada e morreram dois rapazes. Os cômodos estavam repletos de sangue e tinha massa encefálica espalhada", disse a defensora Maria Júlia Miranda, do núcleo de Defesa dos Direitos Humanos.

O delegado Ronaldo Oliveira, assessor especial da Secretaria de Estado de Polícia Civil (Sepol), negou que bandidos tenham sido mortos já rendidos — e classificou a repercussão negativa da operação como "ativismo judicial". O subcoordenador do Núcleo de Direitos Humanos, Daniel Lozoya, rebateu. "Em nenhum lugar do planeta uma operação com 25 mortes pode ser considerada bem-sucedida. Podemos dizer desastre, porque tantas mortes intencionais foram causadas, e isso não foi por acidente", criticou.

Determinação do STF

Segundo a polícia, bandidos estariam aliciando crianças e adolescentes para integrar a facção. Os criminosos, como disse a corporação, exploram o tráfico de drogas, o roubo de cargas e de pessoas, além de homicídios e sequestros de trens da SuperVia.

Em nota, a Polícia Civil disse que comunicou a operação ao MP-RJ, conforme determinação do Supremo Tribunal Federal (STF) — desde junho passado, a Corte suspendeu ações em favelas durante a pandemia e somente permite incursões em "hipóteses absolutamente excepcionais", mediante aviso à promotoria.

O MP-RJ salientou que "desde o conhecimento das primeiras notícias referentes à realização da operação que vitimou 24 civis e 1 policial civil, vem adotando todas as medidas para a verificação dos fundamentos e circunstâncias que envolvem a operação e mortes".

A Human Rights Watch cobrou do MP-RJ uma "investigação minuciosa e independente" da operação. "Tem a competência e obrigação constitucional de exercer o controle externo sobre a polícia e garantir investigações criminais adequadas de abusos policiais". A entidade de defesa dos Direitos Humanos salienta, ainda, que "apenas no primeiro trimestre deste ano, a polícia do Rio de Janeiro matou 453 pessoas e ao menos quatro policiais morreram em ações policiais, mesmo com uma decisão do Supremo Tribunal Federal que proíbe operações em comunidades durante a pandemia".

A proibição das incursões em comunidades do Rio foi tomada depois do assassinato de João Pedro Mattos, 14 anos, morto com um tiro nas costas dentro de casa no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, município do Grande Rio. Outro adolescente, João Vitor Gomes da Rocha, 18, foi morto durante uma operação policial na Cidade de Deus, Zona Oeste do Rio, durante distribuição de cestas básicas. (Colaborou Pedro Ícaro*)