Correio Braziliense, n. 20756, 21/03/2020. Brasil, p. 7

Educação é alvo de polêmica
Rafaela Gonçalves


O Ministério da Educação (MEC) autorizou,por meio de portaria publicada esta semana no Diário Oficial da União, a substituição de aulas presenciais das instituições federais de ensino superior por aulas no formato de ensino a distância.A alteração foi elaborada pelo Comitê Operativo de Emergência do ministério, criado para pensar em alternativas de contenção ao avanço do novo coronavírus nas instituições.

A medida será válida por 30 dias,podendo ser estendida enquanto durar o quadro de emergência pública. Para a professora da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB) e coordenadora do Comitê DF na Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Catarina de Almeida Santos, a medida é equivocada, pois não há preparo e estrutura das condições de ensino, nem dos próprios estudantes. “Tem que haver uma cultura da autonomia, pacotes de dados para acesso.

 Não temos condições pedagógicas, humanas e tecnológicas. Fazer educação não é uma coisa implícita,é um negócio muito sério. Não podemos avacalhar educação a distância sem professor ter formação. Uma coisa é planejar disciplina que já era EAD, outra é transformar todo um planejamento já feito”. A especialista destaca que outros momentos de paralisação semelhantes já foram vividos e que o momento agora é de prezar, sobretudo, pela qualidade de vida. “Em 2012 tivemos uma greve e em um ano tínhamos normalizado o calendário. Fazendo dois em um, as instituições de ensino superior têm como refazer o calendário, pois não estamos falando de qualquer coisa, é uma pandemia. Fazer educação a distância exige planejamento, organização e muito trabalho.

O ano letivo já começou. A Lei de Diretrizes e Bases e o calendário letivo não têm que andar com o calendário civil. O ano letivo tem que ter 200 dias. Podemos replanejar e terminar março do ano que vem, como já aconteceu”, acrescentou. As instituições que optarem pela substituição de aulas deverão comunicar a decisão ao MEC no prazo de 15 dias. Para cursos de Medicina e das práticas profissionais de estágios e de laboratório dos demais cursos, a portaria veda a substituição. Também estão autorizadas alterações do calendário de férias, desde que cumpram os dias letivos e as horas-aula estabelecidos em lei, já que, segundo o documento, as atividades acadêmicas suspensas deverão ser repostas. Fundamental Segundo o MEC, a medida também poderá se estender para a educação básica.

 Atualmente, segundo a legislação, não são permitidas aulas a distância na educação infantil e no ensino fundamental (do 1º ao 9º ano). A modalidade é permitida para até 30% da carga horária do ensino médio em cursos noturnos e 20% dos diurnos. Segundo nota do ministério, a liberação da modalidade para todas as etapas da educação básica tem caráter excepcional e valerá apenas enquanto durar a situação de emergência de saúde pública; e a adesão das escolas será voluntária. Para a gerente educacional do Colégio Objetivo, Cláudia Mialichi, é uma alternativa bastante assertiva,tendo em vista que a educação tecnológica é um recurso próximo da maioria dos estudantes.

“Sabemos que rede privada tem um pouco mais de recurso e uma relação mais próxima do aluno via tecnologia. A própria Base Nacional Comum Curricular estabeleceu um prazo de implementação até 2021 e um dos pressupostos é que até 20% das aulas sejam a distância. Quando se tem hoje um ensino que contempla todas as formas de aprendizagem, não podemos ignorar tecnologia aliada a processo educacional já previsto”,afirmou. Por mais que a tecnologia seja uma grande aliada no ensino, a substituição pela modalidade a distância esbarra em diversos empecilhos. Para a professora dos ensinos fundamental e médio, Ana Carolina Ribeiro, a curto prazo, o ensino a distância pode ser uma solução, mas a organização de como seria colocado em prática ainda é uma preocupação. “É preciso pensar no acesso, não é uma medida viável para todo mundo, também faltam informações e preparo para que os professores saibam como proceder.

Na instituição em que eu trabalho, após receber a resolução, fui questionar. Não souberam de imediato o que dizer, decidiram aguardar mais um prazo, mas me preocupa muito e, com certeza, esse será um ano letivo bem complicado”, lamentou. Para a professora,“talvez,para a educação superior, isso funcione muito bem porque o aluno opta por aquilo e está ali por interesse próprio,tem uma disciplina muito maior”.

 No caso de um aluno de ensino fundamental, no entanto, ela acredita que “a interação direta como professor torne esse processo mais produtivo,  por isso não seria tão viável nessa perspectiva. Mas é preciso se adequar ao momento em que estamos vivendo e buscar uma forma de não prejudicar tanto os nossos alunos”. *Estagiários sob a supervisão de Andreia Castro