O Estado de S. Paulo, n. 46572, 21/04/2021. Internacional, p. A14

Jurados declaram ex-policial culpado da morte de Floyd



Quase 11 meses após asfixiar com o joelho o negro George Floyd, em imagens gravadas que despertaram uma onda mundial de repúdio ao racismo, o ex-policial Derek Chauvin foi condenado ontem por homicídio. O veredicto representa um marco na conturbada história racial dos EUA. Chauvin, que pode pegar até 40 anos de cadeia, terá sua sentença anunciada em algumas semanas.

Depois de deliberar por cerca de 10 horas durante dois dias, após um julgamento emotivo que durou três semanas, o júri considerou Chauvin, de 45 anos, culpado das três acusações: homicídio culposo (não intencional), homicídio de terceiro grau e homicídio de segundo grau.

Chauvin pode pegar até 40 anos de prisão, mas provavelmente receberá uma pena menor – a sentença para assassinato em segundo grau é de 12,5 anos, segundo diretrizes do Estado de Minnesota. O tempo de cadeia será determinado após a apresentação de um relatório sobre os antecedentes do ex-policial.

O juiz Peter Cahill também terá de determinar se há agravantes que justifiquem uma sentença maior do que a normal. Entre os agravantes, segundo a promotoria, está a presença de crianças no local quando Floyd foi morto, o fato de a vítima ter sido tratada com “crueldade especial” e um “abuso da posição de autoridade” por parte de Chauvin.

Após a morte de Floyd, o então secretário de Justiça de Donald Trump, William Barr, se recusou a aprovar um acordo judicial que teria enviado Chauvin à prisão por 10 anos. Segundo uma fonte, Barr disse que estava preocupado com a possibilidade de os manifestantes considerassem o acordo brando.

A promotoria encerrou o caso na semana passada, após convocar 38 testemunhas e reproduzir dezenas de vídeos. Em deles, que se tornou viral nas redes sociais, Floyd diz repetidamente: “Não consigo respirar”, enquanto Chauvin continua ajoelhado sobre seu pescoço.

Advogados de ambos os lados apresentaram seus argumentos finais na segunda-feira. A acusação disse que Chauvin tirou a vida de Floyd, em maio do ano passado, ao ajoelhar sobre o seu pescoço por 9 minutos e meio. A defesa disse que o agora ex-policial agiu de maneira razoável e um problema cardíaco e o uso de drogas levaram à morte de Floyd.

Um cardiologista, um pneumologista, um toxicologista e um patologista forense chamados para testemunhar disseram que os vídeos e os resultados da autópsia confirmavam que Chauvin matou Floyd ao comprimir seu corpo contra a rua.

O presidente americano, Joe Biden, disse ontem que havia falado com a família de Floyd na segunda-feira. “Só posso imaginar a pressão e a ansiedade que eles estão sentindo”, declarou.

“Eles são uma boa família e estão clamando por paz e tranquilidade, não importa qual seja o veredicto”, disse Biden. “Estou rezando para que o veredicto seja o certo. Acho que será esmagador, na minha opinião.”

O veredicto, lido no tribunal e transmitido ao vivo pela TV, foi anunciado em meio a tensão na cidade de Minneapolis, que teme uma agitação como no ano passado, quando ocorreram violentos protestos após a divulgação do vídeo da morte de Floyd.

O tribunal foi cercado por barreiras de concreto e arame farpado, e milhares de soldados da Guarda Nacional e policiais foram trazidos para a cidade antes do veredicto. Algumas empresas e lojas foram fechadas com chapas de compensado.

Para um país cujo sistema legal raramente responsabiliza policiais por assassinatos, especialmente quando as vítimas são negras, o caso foi um marco de mudança por mais responsabilização pelos abusos policiais e mais igualdade.

A morte de Floyd – após ser acusado de usar uma nota falsa de US$ 20 para pagar cigarros – provocou protestos contra o racismo e a brutalidade policial em muitas cidades dos EUA e ao redor do mundo. Chauvin e três outros policiais foram demitidos no dia seguinte. Os outros três ex-agentes devem ser julgados ainda este ano por cumplicidade no assassinato. / AP, NYT e WP

Cronlogia

Casos recentes de impunidade

26/2/2012

Trayvon Martin

Jovem negro de 17 anos é morto a tiros em Sanford, na Flórida, por George Zimmerman, policial de 28 anos. A absolvição de Zimmerman, em julho de 2013, levou um grupo de ativistas a fundar o Black Lives Matter ("Vidas Negras Importam").

17/7/2014

Eric Garner

Negro de 43 anos foi estrangulado por 15 segundos por Daniel Pantaleo, policial branco de Nova York. Pantaleo perdeu o emprego, mas não foi indiciado.

9/8/2014

Michael Brown

Jovem negro de 18 anos foi abordado pelo policial branco Darren Wilson, em Ferguson, no Missouri. Ele morreu com seis tiros à queima roupa. "Don't shoot" ("Não atire"), suas últimas palavras, viraram slogan nos protestos raciais nos EUA. O policial não foi indiciado.

13/3/2020

Breonna Taylor

Três policiais brancos invadiram o apartamento da jovem negra de 26 anos em Louisville, no Kentucky. Assustado, o namorado de Breonna, Kenneth Walker, que tinha posse de arma, atirou e feriu um deles. Ela foi executada com oito tiros.

23/8/2020

Jacob Blake

Negro de 29 anos recebeu sete tiros pelas costas na frente dos filhos em Kenosha, no Estado de Wisconsin. Blake sobreviveu, mas ficou paralisado abaixo da cintura. O policial Rusten Sheskey não foi indiciado.