O Globo, n. 31599, 11/02/2020. Sociedade, p. 23

Epidemia do coronavírus: China tenta retomar a normalidade

André de Souza
Gustavo Maia
Marco Grillo


Milhões de pessoas tentaram retornar ao trabalho nesta segunda-feira, na China, com o fim do feriado do Ano Novo Lunar, prolongado para tentar impedir a propagação do novo coronavírus. A doença já deixou 1.016 mortos no país desde o fim de dezembro, quando surgiram os primeiros casos em Wuhan.

Apenas neste domingo, as autoridades chinesas reportaram 97 óbitos, mas ontem este recorde foi quebrado, com o registro de outras 108 mortes. No país, já são mais de 42 mil casos diagnosticados.

Em quase todo o país, muitas empresas e fábricas só foram autorizadas a voltar às atividades ontem, mas cidades como Pequim e Xangai continuam longe de retomar o ritmo normal.

Acusado de omissão diante da crise, o presidente chinês Xi Jinping apareceu em público, pela primeira vez durante a epidemia, com uma máscara de proteção, enquanto inspecionava um bairro em Pequim. O objetivo era transmitir um clima de normalidade.

O líder chinês conversou com a comunidade local a respeito dos esforços de contenção do vírus. Ele visitou um hospital local que oferece tratamento para pacientes e conversou por vídeo com a equipe médica que comanda o combate à propagação da doença em Wuhan.

— Precisamos ter confiança de que venceremos esta batalha contra a epidemia — disse à equipe médica do hospital de Ditan.

Xi mandou um trabalhador local verificar sua temperatura e acenou para os residentes em seus apartamentos, segundo imagens da emissora estatal CCTV.

Longe do fluxo habitual

Com os transportes de várias cidades chinesas ainda fora do funcionamento normal, é difícil avaliar quando os 300 milhões de trabalhadores migrantes, que viajaram para suas regiões de origem durante o feriado, poderão voltar aos seus postos.

As medidas sanitárias e a própria quarentena na província de Hubei, cuja capital é Wuhan, transformaram diversas áreas do país em cidades fantasmas.

Alguns sinais indicam que a China começa a retomar a normalidade. Nas avenidas de Pequim e Xangai, o trânsitoes-tava muito mais intenso que nos últimos dias, mas longe do seu fluxo habitual. O número de passageiros no metrô de Pequim nesta segunda era quase 50% inferior ao de um dia normal de trabalho. Diversas lojas permaneciam fechadas. Escolas e universidades de todo o país seguem sem funcionar. Muitos não escondiam o receio na volta ao trabalho.

— Quando os clientes entram, primeiro medimos a temperatura, depois usamos desinfetante e pedimos que lavem as mãos — disse uma jovem funcionária em um centro de estética de Pequim.

Nas empresas, as pausas para as refeições serão flexíveis, para evitar concentrações de pessoas em horários de pico. Limpeza, desinfecção e ventilação dos restaurantes serão necessárias, disseram autoridades locais.

Muitas corporações estimulam trabalho remoto. A plataforma de comunicação empresarial on-line DingTalk anunciou na semana passada que quase 200 milhões de pessoas estavam usando sua ferramenta para o “home office”. Uma pesquisa feita pela Câmara de Comércio Americana em Xangai mostrou que 60% das empresas planejam trabalhar de casa.

OMS mostra preocupação

A Organização Mundial da Saúde (OMS) anunciou sinais de que o contágio da epidemia está em fase de estabilização, mas seu diretor geral advertiu para o aumento, no exterior, do número de casos em pessoas que não foram à China.

— É possível que estejamos observando apenas a ponta do iceberg — disse Tedros Adhanom Ghebreyesus.

Uma equipe de especialistas da OMS, liderada pelo médico canadense Bruce Aylward, um veterano de emergências sanitárias, chegou à China ontem para ajudar nas investigações sobre o surto da doença.

Em Londres, o governo britânico classificou o novo vírus como uma “ameaça grave e iminente para a saúde pública”, ao mesmo tempo que anunciou novas medidas para proteger a população.

A União Europeia programou para quinta uma reunião entre seus ministros da Saúde Sobe para 135 o número de casos da doença no cruzeiro em quarentena no Japão e um representante da OMS, para adotar medidas contra a propagação da doença.

Aumentam casos em navio

No Japão, outras 65 pessoas, entre passageiros e tripulantes do cruzeiro Diamond Princess, apresentaram resultado positivo para o coronavírus. O novo dado eleva para 135 o número de infectados no navio, que está em quarentena e tem 3.700 pessoas a bordo. O confinamento já dura uma semana e pode prosseguir até 19 de fevereiro.

O crescente aumento de diagnósticos intensificou o clima de cooperação entre passageiros e tripulantes, relatou ao GLOBO o brasileiro Thiago Campos Soares, que atua como vigia dos passageiros durante a madrugada. Até agora, alguns embarcados insistiam em sair de suas cabines, porque, segundo ele, não “levavam o isolamento a sério”.

— Existiam passageiros que faziam reclamações, mas hoje em dia todos eles sabem o quanto nós estamos fazendo por eles e são gratos. Eles querem ir embora, e nós também queremos voltar logo a nossas rotinas normais.

Médicos e tripulantes poderão ser monitorados em casa

O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, disse ontem que os médicos e tripulantes do voo que trouxe de volta ao país os brasileiros que estavam em Wuhan, na China, poderão sair da quarentena na base aérea de Anápolis (GO) e serem monitorados em casa. A medida ainda será avaliada. Por enquanto, todas as 58 pessoas seguem em isolamento. Os brasileiros e parentes chineses chegaram a Anápolis anteontem e ficarão em quarentena por 18 dias.

Mandetta destacou que os médicos usaram equipamentos de proteção individual na China, o que minimiza o risco de contrair o vírus.

— Quando você pega um médico, por exemplo, que examina um paciente, mesmo que ele esteja você não coloca o médico em quarentena. Então a gente vai discutir para saber como conduzir. Mas estão todos, sim — disse Mandetta, que cogita uma alternativa domiciliar para essas pessoas.

Também ontem, o presidente Jair Bolsonaro editou uma medida provisória para abrir crédito extraordinário no valor de aproximadamente R$ 11,3 milhões para o Ministério da Defesa. O objetivo é financiar o combate a o coronavírus. O Brasil investiga sete casos.

Arroz, feijão e cocada

Resgatada em Wuhan, a modelo Adrielly Eger, de 18 anos, de Foz do Iguaçu (PR), dedicou os primeiros dias na base para o descanso e fez uso intenso das redes sociais para relatara experiência.

— Foi uma sensação de alívio e alegria — disse Adrielly ao GLOBO, por mensagem de texto, sobre o momento em que soube que seria resgatada.

— Por enquanto, estou ficando mais no meu quarto, aproveitando o tempo para descansar um pouco e voltaram e adaptar à diferença de fuso.

Amodelo aprovei tapara matara saudade da comida brasileira: no almoço comeu arroz, feijão, bife e salada. Na sobremesa, cocada e salada de frutas. O prazer gastronômico também foi compartilhado na internet por Caleb Guerra, 28, de Lins (SP), que estudava literatura em Wuhan e também retornou ao Brasil.