Correio Braziliense, n. 20755, 20/03/2020. Política, p. 2

Brasileiros serão repatriados até domingo
Simone Kafruni


Depois de vários dias sem notícias das autoridades do Brasil e tampouco das companhias aéreas e turísticas, os brasileiros que estão no exterior sem conseguir retornar ao país, por conta do fechamento de fronteiras, devem embarcar de volta até domingo. Em Portugal está o maior contingente, mas turistas também ficaram presos no Peru e em outros países.

O Ministério das Relações Exteriores criou um Grupo Especial de Crise para assuntos consulares e migratórios (G-Con), com o objetivo de auxiliar os cidadãos brasileiros que estão impedidos de retornar ao Brasil. "No momento, os esforços estão concentrados em gestões diplomáticas com autoridades nos diversos países, para abertura excepcional de espaços aéreos, e em entendimentos com companhias aéreas, para a realização de voos destinados a repatriar os brasileiros", informou ontem, em nota.
 
Antes disso, no entanto, os brasileiros sentiram o desespero de não conseguir voltar para casa. Tiago Barreto Aguiar, 32 anos, analista de suprimentos, e a namorada, a bancária Talyta Valério, 35, passaram aperto. "Chegamos a Paris em 6 de março. A coisa do coronavírus ainda era inicial. Na primeira semana, tudo aberto, museus. Na sexta-feira passada, viemos a Portugal, para Porto. Foi quando vimos que estava ficando mais preocupante, escolas e museus fechados", contou.
 
Tiago, que é de Taubaté (SP), disse que iam alugar um carro e descer para Lisboa, parando em outros destinos, mas desistiram e foram direto para a capital portuguesa. "Nosso voo era pela Iberia (companhia aérea espanhola), mas fomos informados de que as fronteiras estavam fechadas. Não recebi nenhuma notificação, mas o voo foi cancelado", recordou. O casal decidiu não esperar pela Iberia e comprou outra passagem pela Latam, com partida prevista para segunda-feira.
 
Mudança de rota
 
Cerca de 1,8 mil passageiros do Cruzeiro Soberano, da Pullmantur, que viajaram à Europa de Salvador e Recife, há 15 dias, também tiveram dificuldades de voltar para casa. Alguns, ainda, não têm certeza de que virão. Em um grupo de WhatsApp criado pelos brasileiros em Lisboa, são perceptíveis a falta de informação concreta e o nervosismo. Os passageiros do cruzeiro começaram a pressão no consulado brasileiro de Lisboa na terça-feira. Por conta do desespero de não saber como voltar para casa e sem ter onde ficar, fizeram um vídeo para a expor a situação. Ainda assim, só conseguiram alguma resposta efetiva do Itamaraty ontem.
 
Maurício da Rosa, 53, viajou com a mulher, Andrea Fernandes Rosa, e os filhos Gabriela e Matheus, para encontrar Bruna, que mora em Barcelona há um ano. "Saímos do Brasil há 15 dias, quando havia apenas dois casos suspeitos no país", disse. O cruzeiro em que viajavam, no entanto, mudou de rota, porque foi impedido de atracar em Lisboa. "Paramos em Cádiz".
 
Ainda assim, a autoridade portuária da Baía de Cádiz informou que se tratava "de uma exceção à ordem aprovada pelo conselho de ministros na passada quinta-feira, pela qual se proibia o atraque de cruzeiros em qualquer porto do país até ao próximo dia 26 de março, devido ao risco de propagação da Covid-19". Os passageiros foram impedidos de retornar ao cruzeiro, e 50 ônibus os levaram a Lisboa. "Os veículos foram escoltados", lembrou Maurício.
 
Segundo ele, o primeiro-ministro português, António Costa, fez comentários contrários ao desembarque dos brasileiros pelas redes sociais. "Ficamos à própria sorte. A CVC não dava retorno (o que só aconteceu após a primeira publicação do Correio, feita no dia 17). As companhias aéreas não remarcaram as passagens", lamentou. A filha Bruna não conseguiu voltar para Barcelona, e Gabriela, que faria um curso em Dublin, também não poderá viajar à Irlanda.
 
"Nossos bilhetes de retorno saem de Barcelona, passam por Lisboa e voltam ao Brasil, mas nós não conseguimos chegar a Barcelona, e a remarcação foi para 9 de abril", disse. Como a hospedagem da família vencia na quarta-feira, o tempo adicional custaria, pelos cálculos de Maurício, R$ 1,5 mil por dia com estadia e comida para cinco pessoas.
 
No consulado, quase mil brasileiros tiveram de criar grupos para mandar planilhas com informações básicas, nomes e data do bilhete de retorno. "Depois da matéria, a CVC remarcou a nossa passagem. Eu e dois filhos vamos embarcar. Minha esposa fica com a outra filha", afirmou.
 
"Esforços estão concentrados em gestões diplomáticas com autoridades nos diversos países, para abertura excepcional de espaços aéreos, e em entendimentos com companhias aéreas, para a realização de voos destinados a repatriar os brasileiros"