O Globo, n. 31597, 09/02/2020. Mundo, p. 44

O grande trunfo de Trump

André Duchiade


Dados como desemprego baixo, crescimento ininterrupto e recordes no mercado de ações municiam as hipérboles de Donald Trump em sua campanha à reeleição. Quando o tema é economia, elas alcançam seu esplendor. Só no discurso sobre o Estado da União, na última terça-feira, o presidente americano disse que “a economia é a melhor até hoje”, e que “os empregos estão explodindo, os salários estão cada vez mais altos e a pobreza está despencando”. As bravatas, dizem economistas consultados pelo Globo, se amparam em parte num vigor efetivo, cujos maiores beneficiários, no que diz respeito a salários, são aqueles que ganham menos. Vulnerabilidades como baixa produtividade, alto endividamento das empresas e disfunções no comércio, contudo, permanecem latentes, e compõem um quadro que, embora vistoso, contém fissuras.

— Alguns indicadores favorecem Trump, como a taxa de desemprego, a longa expansão econômica e um crescimento salarial razoável. É verdade que uma boa parte disso vem desde antes de ele assumir, mas, ainda assim, segue há mais de uma década. Em alguns lugares, há uma sensação geral de maior bem-estar econômico — afirmou a economista Monica de Bolle, do Peterson Institute. — Nessa visão mais macro, a economia pode parecer muito bem. Mas, quando se desce para o chão, há muita coisa distorcida e muito desarranjo. E esse potencial vai se acumulando.

Crescimento na média

Em 2019, o crescimento da economia foi de 2,3% — e, nos dois anos anteriores, foi de 2,9% e 2,4%, o que confere aos três anos de Trump uma média de cerca de 2,5%. Os números são um pouco melhores do que os do último mandato do democrata Barack Obama, encerrado em janeiro de 2017, quando a média foi de 2,2%, mas ficam muito aquém da promessa repetida por Trump de “dobrar o crescimento”. Ainda no fim de seu primeiro ano na Casa Branca, pouco após a reforma que reduziu impostos das empresas e dos mais ricos, o presidente afirmou que a economia poderia crescer anualmente a “4, 5, e talvez até 6%”. Masa média de crescimento sob Trump, de modo geral, é muito parecida comados dez últimos anos, desde o fim da crise financeira e da recessão inicia dacoma quebra do Lehman Brothers, na época o quarto maior banco de investimentos dos EUA.

Os números do mercado de trabalho são mais expressivos: em dezembro, a taxa de desemprego foi de 3,5%, número “mais baixo em meio século”, como sejactou Trump no Estado da União. O desemprego já caíra bastante — em 2009, no auge da crise econômica, chegou a 10%— mas, mesmo assim, mais seis milhões de empregos foram registrados em agosto de 2019 do que três anos antes. Estes dados fazem do ambiente de trabalho atual o melhorem anos, elevaram aforça de trabalho — de pessoas que estão trabalhando ou à procura de emprego — a aumentar de tamanho, a despeito da aposentadoria das pessoasd ageração dobabybo om.

O desemprego baixo se relaciona a outra afirmação do presidente no discurso de terça-feira: a de que ,“maravilhosamente, os salários estão subindo mais rápido para os trabalhadores de baixa renda ”. De fato, a média salarial durante o seu governo cresceu principalmente para aqueles que ganham menos, o que levou Trump a dizer que os EUA passaram por “um boom do colarinho azul” — seu novo slogan, lançado no Fórum de Davos e reiterado no discurso sobre o Estado da União, embora a maior parte dos novos postos seja criada no setor de serviços, e não no industrial. Os benefícios se estendem a minorias.

“O índice de desemprego para afroamericanos, latinos e asiáticos alcançou os níveis mais baixos da História”, disse Trump. Entre os negros, o desemprego chegou em junho de 2019 a seu nível mais baixo desde 1972, quando começou a ser medido: 5,5%. Entre os latinos, a taxa foi de 3,9% naquele mês, a mais baixa desde 1973.

— Os benefícios estão fluindo para trabalhadores tradicionalmente marginalizados. Quando o desemprego é muito baixo, os grandes beneficiados são aqueles que estão embaixo —diz Stephanie Aaronson, diretora do Programa de Estudos Econômicos da Brookings Institution, em Washington.

— Após se arrastar por anos, o crescimento salarial também começa a engrenar, revertendo uma tendência de muito tempo. Economistas discordam sobre quanto do estado da economia se deve a políticas de Trump. Alguns mencionam a reforma tributária de 2017 como uma razão parcial, enquanto outros citam a política fiscal expansionista.

Horizonte incerto

É quase um consenso, no entanto, que, em algum momento, a economia vai desaquecer. O débito corporativo se acumula, os empregos na indústria caem, retaliações na guerra comercial com a China impactaram a agricultura, além de ciclos recessivos serem próprios ao capitalismo. Muitos se questionam, então, se os EUA estarão prontos para enfrentar as vacas magras.

— As economias capitalistas são instáveis, o próprio sistema gera crises. Cedo ou tarde haverá uma crise. A pergunta é: teremos as ferramentas para lidar com ela? Eu acho que não — diz Josh Mason, professor de Economia da City University de Nova York.