O Globo, n. 31597, 09/02/2020. País, p. 10

Em alta no clã Bolsonaro, a nova Embratur

Gustavo Schmitt
Guilherme Caetano


O presidente Jair Bolsonaro ligou a câmera na última quinta-feira para a live que faz toda semana, se ajeitou, colocou os óculos e começou a falar. Comentou os assuntos mais quentes da semana, da política americana à guerra travada por ele contra a maioria dos governadores por causa de impostos. Chamou a atenção que ele tenha dedicado quase o mesmo tempo para discorrer sobre um tema que pode parecer exótico diante da gravidade ou importância do restante da pauta: o plano de afundar navios e vagões de trem ao longo da costa brasileira para formar corais e, com isso, atrair mais turistas. O projeto é a menina dos olhos de Gilson Machado Neto, alçado à condição de seu mais novo fiel escudeiro no governo. Gilson foi nomeado em maio de 2019 para presidir a Embratur e, desde então, conseguiu turbinar o orçamento da agência que fomenta o turismo no Brasil, que foi de US$ 8 milhões para US$ 120 milhões.

O aumento do poder da caneta e a proximidade com o clã Bolsonaro não passaram despercebidos por quem vive a rotina da Esplanada. Gilson ganhou holofotes em janeiro após reportagem do GLOBO mostrar que o plano da Embratur para promover o turismo no Brasil previa de animação infantil para combater “falsas histórias” sobre a Amazônia a filme com Sharon Stone percorrendo praias do Nordeste e modelos fantasiados de dragão da independência em eventos para promover o Brasil em cidades como Miami. A proximidade com os Bolsonaros pode resultar em uma nova missão política: Gilson está cotado para presidir o Aliança pelo Brasil, partido que o presidente tenta criar.

Dono de uma pousada na praia alagoana de São Miguel dos Milagres, Gilson já entrou em rota de colisão com o ICMBio, órgão ambiental responsável por fiscalizar unidades de conservação do país. Em 2016, sua pousada foi multada por descumprir uma notificação que exigia a retirada de bangalôs e tendas na praia à noite. A exigência está prevista no Plano de Manejo do local e tem o objetivo de proteger a desova de tartarugas. Ele foi autuado em R$ 3,5 mil. O presidente da Embratur, que recorre da infração, atribui o caso a um erro dos fiscais.

Cargo no meio ambiente

O caso se tornou público em janeiro de 2019, quando ele assumiu seu primeiro cargo no governo Bolsonaro, o de secretário de Ecoturismo do Ministério do Meio Ambiente. Logo depois, o ICMBio retirou o funcionário do cargo de chefia da APA de Alagoas. Ele nega que tenha influenciado na transferência dos fiscais para outro estado. —A questão da transferência dos fiscais não me cabe. Eu não sou do ICMBio, não sou do meio ambiente (na época ele era secretário

de ecoturismo do Meio Ambiente). E você sabe que há uma rotatividade muito grande de fiscais, que podem trabalhar em qualquer lugar do Brasil — disse Gilson.

Gilson e Bolsonaro falam a mesma língua em questões ambientais. Em julho do ano passado, quando incêndios queimavam a Amazônia, ele fez coro com o presidente nas críticas contra Emanuel Macron, o presidente francês. Em agosto do ano passado, num evento de turismo em Miami, brincou sobre a atuação de agentes do ICMBio e a preocupação deles com as aves de Fernando de Noronha.

—Tava funcionando lá a (usina) eólica, até o dia que um passarinho inventou de bater na hélice e morrer. Foi então proibida a utilização de energia eólica em Noronha. Se a peste desse passarinho não consegue ver uma hélice, ele não deve nem se reproduzir, porque ele é burro —declarou a uma plateia aos risos.

A fala lhe rendeu um processo por danos morais e coletivos movido pela Associação de Servidores Ambientais (Ascema), que reúne funcionários do ICMBio, Ibama e Funai.

São Miguel dos Milagres está entre as 158 cidades contempladas no programa Investe Turismo. Gilson alega que a escolha foi feita antes dele assumir o cargo, em 2018. Ao GLOBO, a assessoria do ministério informou que a escolha das rotas é resultado do trabalho da atual gestão. Gilson fez, segundo duas fontes ouvidas pelo GLOBO, pressão sobre o ICMBio para que a região de sua pousada fosse beneficiada com o naufrágio de algum destes navios. —Nego com veemência. Isso daí é boato. Os navios estavam com o casco deteriorado e não aguentariam a viagem de Tamandaré até São Miguel dos Milagres —responde.

Gilson tem convicção de que, ao estimular a criação de abrigos de peixes, atrairá mergulhadores e turistas. Mas a prática preocupa biólogos e oceanógrafos da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) que monitoram os corais. Eles acreditam que os recifes artificiais atraem uma espécie invasora, o chamado coral-sol, considerado uma praga e um risco à biodiversidade. Em setembro, foram afundados dois navios na costa de Pernambuco, na Praia de Tamandaré, na Área de Proteção Ambiental dos corais de Pernambuco e Alagoas. À época, Bolsonaro divulgou o vídeo do afundamento no Twitter e parabenizou Gilson. Coordenador do projeto Conservação Recifal, Pedro Pereira prepara uma carta aberta à sociedade para alertar sobre os riscos ambientais:

— É urgente chamar atenção para o perigo dessa política de afundar navios na costa —diz Pereira. O presidente da Embratur, praticante de mergulho, minimizou os riscos, disse que o turismo náutico é prática disseminada pelo mundo e que os estudos sobre a proliferação de pragas em pontos de mergulho artificiais são “incipientes”.