O Globo, n. 31596, 08/02/2020. Economia, p. 31

"O cara virou um parasita", diz Guedes sobre servidor público
Gabriel Martins Marcello Corrêa
Bruno Góes
Camilla Pontes
Gabriela Oliva


Ao criticar o que considera privilégios do setor público em palestra na FGV do Rio, o ministro Paulo Guedes comparou os servidores a "parasitas", causando a reação de entidades de classe. Em nota, o Ministério da Economia disse que a fala foi "retirada de contexto".

O ministro da Economia, Paulo Guedes, comparou ontem os servidores públicos a "parasitas", em palestra na Fundação Getulio Vargas (FGV) do Rio, na qual criticou o que considera privilégios do funcionalismo. Na opinião do ministro, os funcionários públicos querem reajustes automáticos — o que, segundo o titular da pasta, a população não aceita mais.

— O funcionalismo teve aumento 50% acima da inflação. Além disso, tem estabilidade na carreira e aposentadoria generosa. O hospedeiro está morrendo, o cara (servidor) virou um parasita. O dinheiro não chega no povo, e ele (servidor) quer reajuste automático — disse Guedes.

Mais tarde, em nota, o Ministério da Economia disse que as declarações de Guedes foram "retiradas de contexto" e que o foco da reforma administrativa foi desviado. Mas as declarações do ministro levaram sindicatos e associações de servidores a divulgarem notas de repúdio. Para sustentar sua fala, o ministro disse que a maioria da população defende que servidores concursados possam ser demitidos. Guedes se baseou em pesquisa recente do Datafolha segundo a qual 88% dos entrevistados apoiam a demissão de servidores com mau desempenho.

— A população não quer mais isso, 88% das pessoas são a favor de demissão no funcionalismo público — continuou, sendo aplaudido pela plateia do evento.

Maia: desqualifica debate

Indagado sobre a declaração de Guedes, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), evitou comentar a posição do ministro. Perguntado pelo GLOBO sobre a possibilidade de a crítica de Guedes dificultar a negociação para a reforma administrativa, respondeu: — Não (dificulta), apenas desqualifica o debate. No evento na FGV, o ministro também disse que os parlamentares que estão à frente das pautas econômicas no Congresso estão empenhados nas reformas, a ponto de fazer com que ele seja visto como uma "freira de convento":

— Eu, que já fui revolucionário, hoje sou freira de convento (na comparação com os parlamentares). Eles (políticos) chegam e dizem "o senhor tem que desindexar, desobrigar, tem que descarimbar o dinheiro". As declarações de Guedes foram criticadas por funcionários públicos. Para o professor de Geografia Miguel Pinho, servidor público municipal do Rio, a frase é "um absurdo":

— É um completo desconhecimento do funcionalismo público no Brasil, além de ser uma inverdade. A maioria dos servidores ganha pouco, às vezes salários abaixo de R$ 2 mil. Não se compara com o salário dos ministros.

'Revoltante'

O coordenador de ensino do Instituto Nacional de Câncer (Inca), Fernando Lima, classificou de "revoltante" a frase de Guedes:

— É revoltante o ministro desqualificar o trabalho de pessoas que ele sequer conhece. Mas sua opinião representa o interesse do setor privado. Tenho 15 anos de setor público porque essa foi minha opção de carreira. Ele poderia vir trabalhar um dia para ver as condições reais do funcionalismo. Sua colega Aline Mazzei, enfermeira do Inca, disse se sentir desrespeitada pelo ministro:

— A gente se dedica de verdade e cumpre a carga horária. Escutar isso é um desrespeito.

Em nota, a Associação Nacional de Auditores Fiscais da Receita Federal (Unafisco Nacional) disse rechaçar "com veemência e indignação tal classificação rasa e generalida". E ressaltou que a categoria exerce suas atribuições "com orgulho e lisura". O Sindicato dos Servidores das Justiças Federais no Estado do Rio (Sisejufe) afirmou que o ministro, além de ter feito um comentário desrespeitoso e incompatível com o cargo, demonstrou má-fé e desconhecimento quanto à realidade do funcionalismo público.

Já o Sindicato dos Profissionais da Educação do Estado do Rio de Janeiro (Sepe/RJ) afirmou que o ministro reproduziu uma visão de mundo "deturpada, preconceituosa e estreita". "O ministro, em vez de atacar gratuitamente servidores, deveria cuidar melhor da economia brasileira, que se mantém com mais de 12 milhões de desempregados, 41 milhões de trabalhadores informais e 7 milhões de subocupados."

"O hospedeiro está morrendo, o cara (servidor) virou um parasita. O dinheiro não chega no povo, e ele (servidor) quer reajuste automático"

Paulo Guedes, ministro da Economia

"Escutar isso é um desrespeito"

Aline Mazzei, enfermeira e servidora do Inca